Pular para o conteúdo principal

Já vimos em capítulo anterior que o movimento monástico cristão teve enorme difusão no mundo oriental. Iniciado no Egito por Santo Antônio Abade, recebeu com São Basílio (+ 379) a Regra para a vida cenobítica, isto é, comunidade reunida num mosteiro.

Com Cassiano (+ 435), que por muitos anos viveu junto aos monges egípcios, o monaquismo oriental passou definitivamente para o Ocidente. Finalmente, com Santo Agostinho, a vida monástica penetrou nas sedes episcopais. É dele a Regra que ainda hoje orienta diversas congregações religiosas.

Mas, o gênio romano encontrou sua plena e definitiva forma com São Bento de Núrcia. A partir do século VIII, todo o mundo ocidental tornou-se beneditino.

SÃO BENTO E A REGRA BENEDITINA

Privados de uma Regra consistente, muitos monges ocidentais viviam sem uma espiritualidade consistente e, o que era mais grave, perambulavam de mosteiro em mosteiro. Isso permitia fazer da vida monástica um modo preguiçoso de existência, causando incômodos à própria vida social e religiosa.

A Regra beneditina terá como centro a estabilidade local: o monge permanece por toda a vida num só mosteiro. São Bento, convidado por alguns monges para orientá-los, firmou esse princípio.

São Bento nasceu em Núrcia em torno do ano 480, provindo de uma família de nobreza provincial. Por diversos anos viveu junto a Subiaco, primeiro como eremita, depois como superior de 12 pequenos mosteiros. Pelo ano de 529, dirigiu-se a Montecassino, onde estabeleceu o mosteiro típico do Ocidente, ali morrendo em 547.


Monges ceifando trigo (gravura medieval)

Toda a Europa tornou-se um canteiro de mosteiros beneditinos. Plantados no meio de florestas, logo eram procurados pelo povo, que ao seu redor fundava cidades. Precisando viver de seu trabalho, os monges especializaram-se na agricultura, no fabrico de bebidas, alimentos e remédios.

Criavam escolas monásticas, difundindo cultura e civilização. Para terem livros, cada mosteiro possuía sua seção de amanuenses, monges cujo ofício era copiar antigos manuscritos. A biblioteca dos mosteiros preservou o patrimônio cultural da Antigüidade.

A maior contribuição dos monges, porém, situa-se em outro campo: o religioso. Foram e são os monges a grande força reformadora da vida interna da Igreja em seus momentos de crise.

A ORGANIZAÇÃO DO MOSTEIRO

São Bento, com sua Regra, expôs o gênio romano da organização, marcado pelo discernimento, pelo equilíbrio. Nenhum exagero, nem de descanso, nem de oração, nem de penitência era permitido.

O grande lema da vida beneditina é “Ora et labora”, reza e trabalha. Mas, podemos acrescentar: reza, trabalha e descansa. Veja-se o horário: a comunidade se levanta de madrugada, pelas 2:30. O dia começa com a recitação do Ofício divino, ao qual dedicam-se 4h no inverno e 3:30 no verão; para o trabalho manual, 5 no inverno e 9 no verão; para o trabalho intelectual, 5 no inverno e 3:30 no verão; para o descanso, 9 horas contínuas no inverno e 7 mais a sesta, no verão.

Bento, além disso, estabeleceu que nenhuma ocupação, tanto de trabalho como de oração, podia ser prolongada além de 3 horas continuadas, para que o monge não fosse vítima do cansaço físico ou da aridez espiritual.

O monge faz voto de estabilidade na congregação, não podendo transferir-se e sendo recomendado a sair poucas vezes para outras funções. Retornando de uma viagem necessária, não deve contar nada do que viu ou ouviu. O silêncio é prescrito mas, havendo necessidade, pode ser rompido.

O mosteiro deve ser construído de modo que tenha todo o necessário: água, moinho, quintal e oficinas. O trabalho é imposto como exigência da pobreza.

Figura central do mosteiro é o Abade (Pai): no mosteiro ele ocupa o lugar de Cristo. Deve ser bom e santo, governando mais com o exemplo do que com palavras. É o Pai espiritual, bondoso, sendo mais misericordioso do que justo. Eleito pela comunidade dos monges, tem cargo vitalício de pleno poder, nada podendo ser feito sem ele. Mas, ele deve cercar-se de conselheiros administrativos e espirituais, condividindo com eles o cargo, detendo a palavra final.

O MOSTEIRO, ESCOLA DO SERVIÇO DIVINO

Quem ingressa no mosteiro, está decidido a voltar para Deus através de uma vida de obediência. Deus é o fim da vida monástica. Está presente em toda parte com sua imensidade, provocando na alma doce confiança e coragem confidente, ação de graças e, sobretudo, amor, que é o primeiro instrumento das boas obras.


São Bento

Pela obediência, o monge retorna a Deus: obediência a Deus, ao abade e aos irmãos. Tudo leva à humildade que, com a obediência, torna a alma disposta em relação a Deus. Jesus Cristo é o companheiro do retorno ao Pai.

A oração ordena a vida do monge: a principal é o Opus Dei (Obra de Deus), o Ofício litúrgico comunitário. O dia e as atividades do monge estão organizados em torno das Horas do Ofício, cujo conteúdo são os Salmos, os Hinos, leituras da Sagrada Escritura e comentários dos Santos Pais.

ACEITAÇÃO E EXPANSÃO BENEDITINA

Foi impressionante a difusão da Regra de São Bento. Seu maior entusiasta foi o papa Gregório Magno (+ 604), que a prescreveu aos mosteiros romanos e recomendou-a para a Inglaterra e Irlanda. Dali foi comunicada aos alemães e francos.

No reino franco, o rei Carlos Magno foi seu grande entusiasta e em 802 a impôs a todos os mosteiros do Império. Seu filho, Luiz o Pio, quis que todo o clero vivesse em comum sob essa Regra. Pode-se dizer que entre os anos de 800 e 1100, todos os mosteiros europeus eram beneditinos. Os soberanos viam nos mosteiros uma força extraordinária de fé, cultura e civilização, numa palavra, tudo fizeram para tornar a vida monástica o ideal de vida cristã e de cultura. Os monges tudo fizeram por merecer essa confiança da sociedade, mas correndo o perigo do privilégio e da perda da autonomia.


Mosteiro de Monte Cassino

O entusiasmo imperial pelos mosteiros trouxe um aspecto negativo: tornou-os sempre mais dependentes dos príncipes e independentes dos bispos e do papa, com o risco do enriquecimento. Um mosteiro rico rapidamente esquecia o princípio beneditino da pobreza, do trabalho manual. Passava perigosamente a viver de rendas. Muitos nobres e ricos passavam suas posses aos mosteiros, com a condição de que neles se rezasse por suas almas. Surgem mosteiros imensos, ricos, poderosos, com abades também poderosos e ricos, perdendo-se o espírito da Regra de São Bento, que era a obediência, a pobreza e a humildade.

O trabalho, essencial na vida monástica, passa a ser um adereço simbólico. Em outras palavras, os mosteiros precisavam readquirir sua independência frente ao poder político.

A REFORMA DE CLUNY

Em 909, é fundado em Cluny, na Borgonha francesa, um mosteiro que tem como ideal recuperar a independência e o espírito beneditino. Por isso foi logo colocado sob a proteção da Santa Sé e obteve a garantia de livre eleição de seu abade.

Cluny recupera toda a riqueza da vida monástica, com especial atenção para a liturgia. Em pouco tempo, muitos mosteiros se confederaram a Cluny, outros são fundados no mesmo espírito e a vida beneditina readquire força espiritual em toda a Igreja, sendo a causa principal de sua reforma no século XI, a Reforma gregoriana. O abade de Cluny tinha autoridade sobre todos os mosteiros confederados, deles escolhendo os abades. Isso já era um perigo pois, no espírito da Regra, cabia aos monges escolhê-lo.

A fama de Cluny foi tanta que em pouco tempo quase toda a vida beneditina dependia desse mosteiro. Mas, a fama foi seu perigo: doações e mais doações tornaram-no rico, esplendoroso, chegando a ter a maior igreja do Ocidente. E assim, novamente foi prejudicado o espírito genuíno da Regra. Um mosteiro rico não tem necessidade de trabalho.

Surge assim uma reforma dentro da reforma: alguns beneditinos se refugiam nos fundos de uma floresta, como num deserto, em busca da liberdade para encontrar a Deus, para o trabalho manual e celebrar a liturgia com simplicidade.

Roberto de Molesme (+ 1112) com 21 companheiros funda o “Mosteiro Novo” em Cîteaux, em 1098, donde o nome da nova Ordem beneditina: os Cistercienses.

No ano de 1112, entra em Cîteaux, com um grupo de 30 companheiros, Bernardo, que, em 1153, funda o mosteiro de Claraval (Clairvaux).

São Bernardo recoloca a vida monástica no princípio da pobreza e da obediência. Foi tamanha a aceitação da reforma cisterciense que, em 1153, já havia 350 mosteiros seguindo sua interpretação da Regra.

O gênio de São Bento propõe um tal equilíbrio que a Regra sempre pode – e sempre foi – ser restaurada em sua simplicidade, para o bem da Igreja.

Pe José A. Besen
Prof. de História do ITESC

Comentários

Pensemos...

ORAÇÃO DE EXORCISMO DO PAPA LEÃO XIII

ANTES DE INICIAR A ORAÇÃO 1.Todo aquele que recita este exorcismo, pondo em fuga o demônio, pode preservar de grandes desgraças a si mesmo, a família e a sociedade. Privadamente, pode ser rezado por todos os simples fiéis. 2. Aconselha-se rezá-lo em casos de discórdia de família, de partidos, de cidades; nas casas dos ateus, dos blasfemadores, para sua conversão; onde se praticou o ocultismo; para obter uma boa solução nos negócios; para a escolha do próprio estado de vida; pela conservação da fé na família ou paróquia; pela santificação de si mesmo e dos entes queridos. 3. É poderoso nos casos de intempéries, de doenças, para obter uma boa colheita, para destruição dos insetos nocivos aos campos, etc. 4. Satanás é um cão furioso que ronda em volta de nós para nos devorar, como nos escreve Pedro, em sua primeira carta: “Sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar” (5,8). 5. O Pa

Maria busca um lar

Maria é a Mãe do Senhor, a Mãe de Deus. Esta é uma verdade de fé. Isabel, diante de Maria já grávida do Filho de Deus, exclamou: Donde me vem que a Mãe do meu Senhor me visite? (Lc 1,43). Ser Mãe do Filho de Deus feito homem para que os homens pudessem ser filhos de Deus, eis a grandeza de Maria! O mistério escondido do amor de Deus tornou-se visível no Filho de Maria. Sem Maria, não teríamos Jesus Cristo, a última palavra do Pai, nem a Redenção operada por Ele. Por Maria, o Pai deu tudo e disse tudo. O Tudo é o Jesus de Maria. Este é meu Filho amado: escutai-o! A vida de Maria foi uma longa caminhada e uma longa experiência de fé. Meditava e conservava no coração o que via e o que ouvia acerca do seu Filho e de si mesma. Maria foi a porta e a casa da primeira morada do Filho de Deus na terra. Em tudo semelhante ao homem, sua chegada foi velada e desapercebida, mas naquele corpo escondia-se o maior mistério de amor. O primeiro passo, em seu caminho de vinda, foi dado com o auxílio

Irmã Dulce será Beatificada.

SALVADOR, quarta-feira, 27 de outubro de 2010 ( ZENIT.org ) – O arcebispo de Salvador (nordeste do Brasil), cardeal Geraldo Majella Agnelo, anunciou na manhã desta quarta-feira que a Irmã Dulce será beatificada em breve. Segundo informa a arquidiocese, o pronunciamento foi feito na sede das Obras Sociais Irmã Dulce, em Salvador. O cardeal informou que até o fim do ano encerra o processo e será conhecida a data da cerimônia de beatificação. De acordo com o arcebispo, uma comissão científica da Santa Sé aprovou esta semana um milagre atribuído à religiosa, fato decisivo no processo de beatificação. Segundo Dom Geraldo, a religiosa é exemplo para os cristãos e a sua história de vida é o que justifica a beatificação e o processo de canonização. “Todo santo é um exemplo de Cristo, como foi o caso dela [Irmã Dulce]; aquela dedicação diuturna durante toda a vida aos pobres e sofredores.” A causa da beatificação da religiosa brasileira foi iniciada em janeiro do ano 2000 pelo pró

A SANTA IGREJA CATÓLICA APOSTOLICA

A Igreja Católica, chamada também de Igreja Católica Romana e Igreja Católica Apostólica Romana , é uma Igreja cristã colocada sob a autoridade suprema do Papa, Bispo de Roma e sucessor do apóstolo Pedro, sendo considerada pelos católicos como o autêntico representante de Deus na Terra e por isso o verdadeiro Chefe da Igreja Universal (Igreja Cristã ou união de todos os cristãos). Seu objectivo é a conversão ao ensinamento e à pessoa de Jesus Cristo em vista do Reino de Deus. Para este fim, ela administra os sacramentos e prega o Evangelho de Jesus Cristo. Ela não pensa como uma Igreja entre outras mas como a Igreja estabelecida por Deus para salvar todos os homens. Esta ideia é visível logo no seu nome: o termo "católico" significa universal em grego. Ela elaborou sua doutrina ao longo dos concílios a partir da Bíblia, comentados pelos Pais e pelos doutores da Igreja. Ela propõe uma vida espiritual e uma regra de vida aos seus fiéis inspirada no Evangelho e definidas de man

O que quer dizer “Completo em minha carne o que falta às tribulações de Cristo”?

Os dizeres do Apóstolo se explicam sem dificuldade, desde que se tenham em vista os seguintes tópicos:   Origem do texto São Paulo estava detido no cárcere em Roma, durante o biênio de 61 a 63. Sofria naturalmente com isto, pois, cheio de ardor pela salvação das almas, desejaria continuar a percorrer o mundo e pregar, como havia feito até então. Prisioneiro, São Paulo mantinha, não obstante, vivo intercâmbio com os fiéis das mais distantes regiões, procurando dar a todos uma palavra de orientação oportuna. Foi o que o levou a escrever aos cristãos de Colossas (Ásia menor) uma carta, na qual se encontra o trecho que nos interessa. Aproximemo-nos, pois, de tal passagem. No inicio da missiva, São Paulo se refere ao Evangelho e à sua vocação de ministro do Evangelho: aludindo a isso, verifica que toda a sua vida, seus trabalhos, sua liberdade e seu cativeiro, estão consagrados ao ministério apostólico; em consequência, nada lhe pode parecer inútil ou vão, nem mes

Dom Luiz Soares Vieira recebe a Medalha de Ouro Cidade de Manaus

A Câmara Municipal de Manaus realizou sessão solene, 16/12, às 10h (horário local) para entregar a Medalha de Ouro Cidade de Manaus ao arcebispo metropolitano de Manaus e vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Luiz Soares Vieira, pelo trabalho realizado durante quase duas décadas a frente da arquidiocese.A medalha é a mais alta comenda concedida pelo Poder Legislativo Municipal a um cidadão. A homenagem deve-se a dedicação de dom Luiz ao Estado, realizando trabalhos missionários e levando a palavra de Deus a toda a população. O arcebispo de Manaus nasceu na cidade de Conchas (SP). Cursou Filosofia no Seminário Central do Ipiranga, de São Paulo, e Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma. Foi ordenado aos 22 anos, antes da idade permitida, precisando, portanto, de uma licença especial do Papa para poder exercer o Ministério. Completou os estudos em Filosofia na Universidade de Mogi das Cruzes (SP), trabalho

As Sagradas Imagens são Idolatria? São João Damasceno adversus Calvino

São João Damasceno (676-749 d.C) defendeu a prática cristã tradicional da exibição e veneração das imagens e seus ensinamentos foram afirmados no Sétimo Concílio Ecumênico (Nicéia, 787 d.C). Quase oito séculos mais tarde, este debate foi reacendido pela Reforma Protestante, com muitos dos reformadores (com a notável exceção de Martinho Lutero) abraçando iconoclastia radical, a ponto de destruírem imagens ativamente.  João Calvino (1509-1564) incluiu um capítulo sobre as imagens em seu trabalho histórico as “ Institutas da Religião Cristã ”, onde ele expôs uma forte posição iconoclasta, seguido de um capítulo sobre a veneração de santos. São estes capítulos que serão analisados e criticados neste ensaio, em contraposição à sabedoria patrística de São João Damasceno. Todas as citações bíblicas serão tomadas a partir da versão da Bíblia João Ferreira de Almeida. O PRIMEIRO E SEGUNDO MANDAMENTO (ÊXODO 20, 2-6) “ [1º] Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tire