Paulo nasceu entre o ano 5 e 10 da era cristã, em Tarso, capital da Cilícia, na Ásia Menor, cidade aberta às influências culturais e às trocas comerciais entre o Oriente e o Ocidente. Descende de uma família de judeus da diáspora, pertencente à tribo de Benjamim, que observava rigorosamente a religião dos seus pais, sem recusar os contactos com a vida e a cultura do Império Romano.
Os pais deram-lhe o nome de Saul (nome do primeiro rei dos judeus) e o apelido Paulo. O nome Saul passou para Saulo porque assim era este nome em grego. Mais tarde, a partir da sua primeira viagem missionária no mundo greco-romano, Paulo usa exclusivamente o sobrenome latino Paulus.
Recebeu a sua primeira educação religiosa em Tarso tendo por base o Pentateuco e a lei de Moisés. A partir do ano 25 d.C. vai para Jerusalém onde frequenta as aulas de Gamaliel, mestre de grande prestígio, aprofundando com ele o conhecimento do Pentateuco escrito e oral.
Aprende a falar e a escrever aramaico, hebraico, grego e latim. Pode falar publicamente em grego ao tribuno romano, em hebraico à multidão em Jerusalém (Act 21,37.40) e catequizar hebreus, gregos e romanos.
Paulo é chamado “o Apóstolo” por ter sido o maior anunciador do cristianismo depois de Cristo. Entre as grandes figuras do cristianismo nascente, a seguir a Cristo, Paulo é de facto a personalidade mais importante que conhecemos. É uma das pessoas mais interessantes e modernas de toda a literatura grega, e a sua Carta aos Coríntios é das obras mais significativas da humanidade.
Escreveu 13 cartas às igrejas por ele fundadas: cartas grandes: duas aos tessalonicenses; duas aos coríntios; aos gálatas; aos romanos. Da prisão: aos filipenses; bilhete a Filémon; aos colossenses; aos efésios. Pastorais: duas a Timóteo e uma a Tito.
Quando estava preso em Cesareia, Paulo apela para César e o governador Festo envia-o para Roma, aonde chegou na Primavera do ano 61. Viveu dois anos em Roma em prisão domiciliária. Sofreu o martírio no ano 67, no final do reinado de Nero, na Via Ostiense, a 5 quilómetros dos muros de Roma.
Por Ludovico Garmus
A celebração do Ano Paulino lembrou os dois mil anos do nascimento de São Paulo Apóstolo. Presume-se que Saulo, mais tarde chamado Paulo, tenha nascido pelo ano 8 da era cristã. Seu aniversário de nascimento há dois mil anos está provocando sempre novos estudos, ou traduções de obras mais antigas, mesmo em português. Objeto de estudo é tanto a figura deste apóstolo, intrépido missionário evangelizador, como as suas Cartas, que ainda hoje continuam animando a fé e inspirando a vida cristã de nossas comunidades. Nas páginas que seguem queremos falar um pouco da figura e da atividade evangelizadora deste apóstolo, que foi o portador da boa nova de Jesus Cristo, para o mundo pagão, e deixou marcas profundas na Igreja dos primeiros séculos e de nossos dias. Podemos conhecer a pessoa e a missão de Paulo pelo Livro dos Atos dos Apóstolos e, sobretudo, pela leitura de suas Cartas, escritas antes mesmo dos Evangelhos.
1. Um judeu fervoroso torna-se apóstolo de Jesus Cristo
Saulo nasceu em Tarso, ao sul da atual Turquia, de uma família judia. Lucas coloca esta informação na boca de Paulo, ao ser preso em Jerusalém: “Eu sou judeu de Tarso na Cilícia, cidadão de uma cidade de renome” (At 21,39; cf. 9,11). Não era apenas cidadão de Tarso, mas de sua família herdou também o título de cidadão romano, título de que se faz valer quando em diferentes circunstâncias é preso (cf. At 16,36-39; 22,25-29; 23,25-30). Este título livrou Paulo de ser condenado pelo tribunal judaico e lhe deu o direito de apelar ao tribunal do imperador romano César (At 25,9-12). Lucas completa um pouco mais a figura de Paulo no discurso que faz ao ser preso em Jerusalém: “Eu sou judeu, nascido em Tarso da Cilícia, educado nesta cidade e instruído aos pés de Gamaliel, segundo o rigor da Lei de nossos pais, zeloso pela causa de Deus, como todos vós sois hoje. Persegui até à morte este Caminho, prendi homens e mulheres e os lancei no cárcere (At 22,3-4).
Tarso, no I século dC era um centro de vida intelectual, com instituições de instrução de cultura, filosofia e artes liberais que competiam e até superavam Atenas e Alexandria. Mas, à luz do que se diz em At 22,3-4, sabemos que não foi educado no centro cultural de Tarso e sim, em Jerusalém.
Nas Cartas, o próprio Paulo, ao falar de si mesmo, lembra sua boa formação judaica. Foi “circuncidado ao oitavo dia, do povo de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu, filho de hebreus. Segundo a Lei, fariseu. No zelo, perseguidor da Igreja. Pela justiça da Lei, irrepreensível” (Fl 3,5-6; cf. 2Cor 11,23). Em Jerusalém, ao estudar a Lei aos pés do mestre Gamaliel, deve ter conhecido os primeiros cristãos. Na Cidade havia um fervoroso grupo de discípulos de Jesus de Nazaré. Eles acreditavam que seu Mestre, condenado à morte pelas autoridades judaicas, havia ressuscitado ao terceiro dia e era o Messias prometido pelas Escrituras. Isso deve ter incomodado muito a Paulo: “É duro para ti recalcitrar contra o aguilhão” (At 26,14). De At 7,58 sabemos que Paulo esteve presente durante o martírio do diácono Estevão. Ele guardava os mantos dos que o apedrejavam. Desde então ele passou a liderar a prisão de cristãos. Depois de obter a autorização do sumo sacerdote, Paulo dirigiu-se às sinagogas de Damasco com o intuito de trazer presos para Jerusalém todos os seguidores de Jesus (At 9,1-2). Mais tarde, o próprio Paulo confirma esta sua fase de judeu fervoroso e perseguidor dos cristãos: “Certamente ouvistes falar como eu vivia antes no judaísmo. Perseguia ferrenhamente a Igreja de Deus e procurava exterminá-la” (Gl 1,13). Mas no caminho tem a visão do Senhor Jesus e cai cego por terra. Conduzido a Damasco, foi depois levado até um cristão chamado Ananias. Este lhe anuncia Jesus Cristo. Paulo converte-se, recebe o batismo e fica curado de sua cegueira física e espiritual (At 9,1-30; 22,6-16; 26,12-18).
Segundo Lucas, uma vez convertido, Paulo passou alguns dias com os cristãos de Damasco e logo começou a pregar nas sinagogas, para espanto de todos. Provocou, com isso, a ira dos judeus e teve que fugir às escondias para não ser morto. De volta a Jerusalém, os cristãos olhavam para ele com desconfiança. Somente Barnabé, “que era um homem bom e cheio do Espírito Santo” (At 11,24; cf. 4,36-37), o acolheu com carinho. Também ali Paulo anunciou Jesus Cristo aos judeus gregos, com tanta coragem, que provocou a ira dos judeus e teve de ser encaminhado às pressas até Cesaréia e dali foi para Tarso, sua terra natal (At 9,19-30).
Lucas conta que o grande desejo de Paulo era evangelizar os judeus, mas numa visão ficou sabendo que o plano de Jesus Ressuscitado era torná-lo apóstolo dos pagãos (At 9,15; 22,17-21). O próprio Paulo confessa que sentiu muito não ter sido escolhido para ser apóstolo entre seus irmãos judeus: “Trago no coração um grande pesar e uma contínua dor. Pois eu próprio desejava ser separado por Cristo em favor de meus irmãos, os meus patrícios segundo a carne” (Rm 9,2)(1).
Paulo permaneceu por alguns anos em Tarso até ser levado por Barnabé até Antioquia, onde os dois ficaram pregando o evangelho durante um ano (At 11,25-26). Ali, durante uma liturgia celebrada e honra do Senhor, os dois foram escolhidos para serem enviados em missão aos pagãos: “O Espírito Santo disse: ‘Separai-me Barnabé e Saulo para a obra a que os chamo’” (At 13,2).
2. Modo de Paulo evangelizar
2.1. Paulo trabalhava em equipe
Na primeira viagem tinha como companheiros de missão Barnabé e João Marcos, primo de Barnabé. Mas ao chegarem a Perge, na Panfília, João Marcos desistiu e voltou a Jerusalém. Na segunda viagem, Paulo se separou de Barnabé porque este queria novamente levar seu primo João Marcos, e tomou como companheiro Silas. Barnabé e João Marcos voltam ao Chipre, enquanto Paulo e Silas tornam a visitar as comunidades de Derbe, Listra Icônio e Antioquia, fundadas durante a primeira viagem. Prosseguindo viagem, foram até Trôade e passaram para a Macedônia, onde fundaram as comunidades de Filipos, Tessalônica, Beréia, Cencréia e Corinto. No retorno passara por Éfeso, onde já encontraram cristãos que apenas conheciam o batismo de João Batista. Nesta viagem, a partir de Derbe e Listra, levaram Timóteo como companheiro missionário. Em Corinto passou a receber a ajuda do casal missionário, Áquila e Priscila, judeus convertidos ao cristianismo e expulsos de Roma. Como eles também eram fabricantes de tendas, Paulo se hospedou na casa deles, trabalhando no mesmo ofício com eles. Áquila e Priscila depois o acompanham até Éfeso, onde instruíram melhor a Apolo na fé cristã. (At 17,14; 18,5.23-28).
Na terceira viagem aumentou a equipe missionária, pois, além de Áquila e Priscila, juntou-se a Paulo também Apolo. Com isso, pôde enviar seus auxiliares Silas, Timóteo e Erasto para missões específicas na Macedônia (At 19,22). Contava também com companheiros de viagem como Gaio e Aristarco (19,29), Sópatros de Beréia, Aristarco e Segundo de Tessalonica, Tíquico e Trófimo da Ásia (20,4), bem como muitos outros citados nas Cartas.
Além desses missionários ambulantes, Paulo era apoiado por homens e mulheres neo-convertidos, membros das comunidades, como Lídia de Filipos (At 16,13-15.40), Dionísio o Areopagita e sua mulher Damaris, em Atenas (17,34) e o chefe da sinagoga Crispo, em Corinto (18,8).
2.2. Paulo rompe com a sinagoga e passa a evangelizar os pagãos
Vimos acima que, inicialmente, Paulo queria ser apóstolo entre os judeus. Aos poucos, porém, lhe ficou claro que sua missão era evangelizar os pagãos. Assim ele mesmo entendeu sua vocação e missão. Na Carta aos Gálatas descreve sua vocação à luz do relato da vocação de Jeremias (1,5-10) e do Servo do Senhor de Is 49,1-6, ambos chamados por Deus, desde o ventre materno, para serem profetas entre as nações: “Deus, que me separou desde o seio de minha mãe e me chamou por sua graça, decidiu revelar seu Filho em mim, para que o anunciasse entre os pagãos” (Gl 1,15-16). Pelos Atos dos Apóstolos, porém, sabemos que nas viagens missionárias ele sempre começava a anunciar o evangelho para os judeus nas sinagogas que visitava. Em Antioquia da Pisídia (At 14,42-47) Paulo e Barnabé conseguiram falar duas vezes na sinagoga e logo provocaram divisão na comunidade. Na segunda vez uma multidão teria acorrido para escutar Paulo.
Que tipo de ouvintes Paulo encontrava nas sinagogas? Nas sinagogas Paulo encontrava, além dos judeus, também “prosélitos” e “tementes a Deus”. Os prosélitos era pagãos convertidos ao judaísmo (At 2,11; 6,5), assumindo todas as suas práticas, inclusive eram circuncidados. Na crítica de Jesus aos escribas e fariseus há um reconhecimento do seu zelo missionário: “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que percorreis mar e terra a fim de converter uma só pessoa para, depois de convertida, a tornar merecedora do inferno duas vezes mais do que vós mesmos” (Mt 23,15). Tais prosélitos nas sinagogas da diáspora eram, portanto, fruto do ardor missionário a partir de Jerusalém. Há ainda os “prosélitos adoradores” (At 13,43), chamados também “adoradores” (At 13,50; 17,4.17) ou “adoradores de Deus” (16,14;18,7). Eles participavam da fé judaica, mas não eram circuncidados. Estes parecem identificar-se com os “tementes de Deus”, como Cornélio de Cesaréia e outros mais (At 10,2.22; cf. 13,16.26).
No discurso feito na casa de Cornélio Pedro reconhece que os “tementes de Deus” é um bom candidato a receber a mensagem de Jesus: “Quem teme a Deus e pratica a justiça, em qualquer nação, é aceito por ele” (At 10,35). Portanto, nas sinagogas, Paulo encontrava judeus tradicionais, prosélitos e adoradores ou tementes a Deus. O número de convertidos era maior entre os adoradores ou tementes a Deus do que entre os prosélitos e judeus, e ordem decrescente. A presença de Paulo durava pouco nas sinagogas das cidades por onde passou, porque sua mensagem provocava divisão e atraía a ira dos chefes judeus, que instigavam outros adeptos contra Paulo e seus companheiros. O resultado eram as expulsões, apedrejamentos e fugas precipitadas.
De fato, com exceção de Atenas quando falou no Areópago, sem sucesso, para alguns filósofos, Paulo acabava sendo sempre ameaçado, perseguido ou expulso.
Evidentemente, após a ruptura com a comunidade judaica local, Paulo passa quase exclusivamente a evangelizar os pagãos. Lucas, resumindo esta prática habitual de Paulo, o faz dizer em Roma no discurso de despedida: “Sabei que esta salvação de Deus já foi comunicada aos pagãos, e eles a ouvirão” (At 28,28). E o próprio Paulo confirma na Epístola aos Gálatas a divisão de trabalho entre ele e Pedro: “Tiago, Cefas e João, respeitados como colunas, reconheceram a graça que me foi concedida e deram as mãos a mim e a Barnabé em sinal de pleno acordo: nós iríamos aos pagãos, e eles iriam aos judeus” (Gl 2,9).
2.3. Paulo trabalha e evangeliza
Diversamente de outros missionários de seu tempo, que viviam das esmolas dadas pelos que evangelizavam, Paulo preferia – e fazia questão – ser independente. E podia sê-lo, não porque fosse rico ou sustentado por algum “padrinho”, como acontecia com alguns filósofos de seu tempo, mas porque trabalhava pelas próprias mãos. Era “fabricante de tendas” (skenopõios), isto é, trabalhava com couro, fazendo tendas, botas, cordas e todo tipo de materiais de couro, procurados principalmente pelo exército romano. Em Corinto, por exemplo, trabalhou junto com o casal Áquila e Priscila, judeus convertidos: “... Paulo os procurou e, como fosse do mesmo ofício que eles – eram fabricantes de tendas – ficou trabalhando na casa deles. Todos os sábados discutia na sinagoga, persuadindo judeus e gregos” (At 18,2-4). Por este texto, podemos imaginar a rotina de Paulo: Ao chegar a uma nova cidade, levava sempre consigo os instrumentos necessários para seu oficio de fabricante de tendas. Procurava se informar sobre onde morava a comunidade judaica, a localização da sinagoga onde trabalhavam artesões de seu ofício. Nem sempre encontrava um edifício da sinagoga na cidade. Assim aconteceu em Filipos, onde os judeus se reuniam fora dos muros da cidade (At 16,11-15). Portanto, durante a semana Paulo trabalhava no seu ofício e no sábado ia à sinagoga. É claro, não perdia a ocasião para anunciar Jesus Cristo. Não podemos imaginar um Paulo que durante a semana ficasse sem falar de Jesus Cristo, ele que escreveu: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20); “para mim a vida é Cristo e a morte, lucro” (Fl 1,21). Certamente, enquanto trabalhava, não perdia nenhuma ocasião de falar de Jesus Cristo com os companheiros de trabalho, ou mesmo de viagem. Porque “a boca fala da abundância do coração”.
Outros missionários não trabalhavam para se sustentar, mas eram mantidos pelas pessoas evangelizadas. Esses missionários se consideravam mais autênticos do que Paulo, porque estariam imitando o grupo de Jesus e dos apóstolos, em obediência às instruções dadas por Jesus quando enviou os setenta e dois discípulos: “Em qualquer casa onde entrardes, dizei primeiro: ‘A paz esteja nesta casa’... Permanecei nessa casa comei e bebei do que vos servirem. O operário merece seu salário” (Lc 10,5-7; cf. Mt 10,5-15).
Paulo está consciente do direito que tem de receber da comunidade evangelizada os meios de subsistência, um direito sancionado pela Lei divina (Dt 25,4) e por Jesus (1Cor 9,7-14: 2Ts 3,9; Gl 6,6; 1Tm 5,17). Mas viver de esmolas não combinava com sua concepção de vida e de ministério. Preferia manter-se com seu ofício de fabricante de tendas. Aceitou, porém, de bom grado e muito agradecido a ajuda enviada pelo filipenses quando estava na prisão em Éfeso (Fl 4,10-20) e quando precisou de assistência na estadia em Corinto (2Cor 11,9).
Paulo tinha várias razões para preferir viver de seu trabalho manual. Queria ser um modelo a ser imitado pelas comunidades. No discurso de despedida em Mileto ele diz: “Sabeis que estas mãos providenciaram o que era necessário para mim e para os que me acompanham. Em tudo vos dei exemplo, mostrando-vos que é preciso socorrer os necessitados trabalhando assim e recordando as palavras do Senhor Jesus, que disse: Maior felicidade é dar do que receber” (At 20,34-35). Porque dá bom exemplo pode também exortar os fiéis: “Procurai viver com seriedade, ocupando-vos com vossas mãos, como recomendamos. Assim vivereis honradamente aos olhos dos estranhos e não precisareis da ajuda de ninguém” (1Ts 4,11-12; 2Ts 3,7-10; 1Cor 4,12). Paulo orgulha-se de pregar o evangelho gratuitamente e não por salário: “Prefiro morrer, antes que alguém me prive do meu orgulho. Porque evangelizar não é motivo de orgulho para mim, senão uma necessidade. Ai de mim se não evangelizar. Se o fizesse por iniciativa própria receberia salário; mas, se o faço por imposição, é como um encargo que me foi confiado. Em que consiste, pois, o meu salário? Em que, ao evangelizar, faço-o gratuitamente, sem fazer valer meus direitos pela evangelização” (1Cor 9,15-18; cf. 2Cor 11,7-11).
O trabalho, segundo Paulo, dá a possibilidade de socorrer os mais necessitados (At 20,34-35). Trabalhando para se sustentar, Paulo evita pôr obstáculo ao evangelho de Cristo (1Cor 9,12) e tornar-se um peso para os outros (1Ts 2,9). Torna o independente e livre para doar-se totalmente à pregação do evangelho a todos com franqueza, sem estar preso a interesses pessoais (1Cor 9,19; 1Ts 4,11-12).
Conclusão
O Ano Paulino que estamos celebrando e o Documento de Aparecida nos convidam a ser discípulos e missionários de Jesus Cristo em nossos dias. Paulo é para todos nós um exemplo de corajosa criatividade e abertura missionária do Evangelho para todas as nações. O ardor missionário de Paulo, seu amor sincero, desinteressado e total a Jesus Cristo e ao Evangelho continuam a servir de estímulo e inspiração para todos os cristãos, clero, religiosos e leigos. É bom lembrar que Paulo não era presbítero, muito menos um bispo, mas um simples leigo, que trabalhava e evangelizava.
Completamos hoje os nossos encontros com o apóstolo Paulo, dedicando-lhe uma última reflexão. De facto, não podemos despedir-nos dele, sem considerar uma das componentes decisivas da sua actividade e um dos temas mais importantes do seu pensamento: a realidade da Igreja. Devemos antes de tudo constatar que o seu primeiro contacto com a pessoa de Jesus se realiza através do testemunho da comunidade cristã de Jerusalém. Foi um contacto conturbado. Tendo conhecido o novo grupo de crentes, ele tornou-se imediatamente um seu orgulhoso perseguidor. Ele mesmo o reconhece nas suas três Cartas: "Persegui a Igreja de Deus", escreve (1 Cor 15, 9; Gl 1, 13; Fl 3, 6), quase como a apresentar este seu comportamento como o pior dos crimes.
A história mostra-nos que se alcança normalmente Jesus através da Igreja! Num certo sentido, isto verificou-se, dizíamos, também para Paulo, o qual encontrou a Igreja antes de encontrar Jesus.
Mas este contacto, no seu caso, foi contraproducente, não causou a adesão, mas uma violenta repulsa. Para Paulo, a adesão à Igreja foi propiciada por uma intervenção directa de Cristo, o qual, tendo-se-lhe revelado no caminho de Damasco, se identificou com a Igreja e lhe fez compreender que perseguir a Igreja era perseguir o Senhor. De facto, o Ressuscitado disse a Paulo, o perseguidor da Igreja: "Saulo, Saulo, porque me persegues?" (Act 9, 4). Perseguindo a Igreja, perseguia Cristo. Então Paulo converteu-se, ao mesmo tempo, a Cristo e à Igreja. Disto compreende-se depois porque a Igreja tenha estado tão presente nos pensamentos, no coração e na actividade de Paulo. Em primeiro lugar, porque ele fundou literalmente muitas Igrejas nas várias cidades onde foi para evangelizar. Quando fala da sua "solicitude por todas as Igrejas" (2 Cor 11, 28), ele pensa nas várias comunidades cristãs suscitadas de cada vez na Galácia, na Iónia, na Macedónia e na Acaia. Algumas daquelas Igrejas também lhe deram preocupações e desgostos, como aconteceu por exemplo nas Igrejas da Galácia, que ele viu seguir "outro Evangelho" (Gl 1, 6), ao que se opôs com firme determinação. Contudo ele sentia-se ligado às Comunidades por ele fundadas de maneira não fria nem burocrática, mas intensa e apaixonada. Assim, por exemplo, define os Filipenses "meus caríssimos e saudosos irmãos, minha coroa e alegria" (4, 1). Outras vezes compara as várias Comunidades com uma carta de apresentação única no seu género: "A nossa carta sois vós, uma carta escrita nos nossos corações, conhecida e lida por todos os homens" (2 Cor 3, 2). Outras vezes ainda mostra em relação a eles um verdadeiro sentimento não só de paternidade mas até de maternidade, como quando se dirige aos seus destinatários interpelando-os como "Meus filhos, por quem sinto outra vez as dores de parto, até que Cristo se forme entre vós!" (Gl 4, 19; cf. também 1 Cor 4, 14-15; 1 Ts 2, 7-8).
Nas suas Cartas Paulo ilustra-nos a sua doutrina sobre a Igreja como tal. Portanto, é muito conhecida a sua original definição da Igreja como "corpo de Cristo", que não encontramos noutros autores cristãos do I século (cf. 1 Cor 12, 27: Ef 4, 12; 5, 30; Cl 1, 24). A raiz mais profunda desta surpreendente designação da Igreja encontrámo-la no Sacramento do corpo de Cristo. Diz São Paulo: "Uma vez que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo" (1 Cor 10, 17). Na mesma Eucaristia Cristo dá-nos o seu Corpo e faz-nos seu Corpo. Neste sentido São Paulo diz aos Gálatas: "todos sois um em Cristo" (Gl 3, 28). Com tudo isto Paulo faz-nos compreender que existe não só uma pertença da Igreja a Cristo, mas também uma certa forma de equiparação e de identificação da Igreja com o próprio Cristo. Portanto, é daqui que deriva a grandeza e a nobreza da Igreja, ou seja, de todos nós que a ela pertencemos por sermos membros de Cristo, quase uma extensão da sua presença pessoal no mundo. E daqui se origina, naturalmente, o nosso dever de viver realmente em conformidade com Cristo. Daqui derivam também as exortações de Paulo a propósito dos vários carismas que animam e estruturam a comunidade cristã. Todos eles reconduzem a uma única fonte, que é o Espírito do Pai e do Filho, sabendo bem que na Igreja ninguém está desprovido dele, porque, como escreve o Apóstolo, "a cada um é dada a manifestação do Espírito, para proveito comum" (1 Cor 12, 7). Mas é importante que todos os carismas cooperem juntos na edificação da comunidade e não se tornem ao contrário motivo de dilaceração. A este propósito, Paulo pergunta rectoricamente: "Estará Cristo dividido?" (1 Cor 1, 13). Ele sabe bem e ensina-nos que é necessário "manter a unidade do Espírito, mediante o vínculo da paz. Há um só Corpo e um só Espírito, assim como a vossa vocação vos chamou a uma só esperança" (Ef 4, 3-4).
Sem dúvida, realçar a exigência da unidade não significa afirmar que se deva uniformizar ou nivelar a vida eclesial segundo um único modo de agir. Noutro texto Paulo ensina a "não apagar o Espírito" (1 Ts 5, 19), isto é, a dar generosamente espaço ao dinamismo imprevisível das manifestações carismáticas do Espírito, o qual é fonte de energia e de vitalidade sempre nova. Mas se há um critério do qual Paulo não prescinde é a mútua edificação: "que tudo se faça de modo a edificar" (1 Cor 14, 26). Tudo deve concorrer para construir ordenadamente o tecido eclesial, não só sem estagnação, mas também sem fugas ou excepções. Depois, há outra Carta paulina que chega a apresentar a Igreja como esposa de Cristo (cf. Ef 5, 21-33). Com isto retoma-se uma antiga metáfora profética, que fazia do povo de Israel a esposa do Deus da aliança (cf. Os 2, 4.21; Is 54, 5-8): com isto pretende-se dizer quanto sejam íntimas as relações entre Cristo e a sua Igreja, quer no sentido de que ela é objecto do amor mais terno da parte do seu Senhor, quer também no sentido de que o amor deve ser recíproco e que, por conseguinte também nós, como membros da Igreja, devemos demonstrar fidelidade apaixonada em relação a Ele.
Definitivamente, está em jogo a relação de comunhão: a vertical entre Jesus Cristo e todos nós, e também a horizontal entre todos os que se distinguem no mundo pelo facto de "invocar o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Cor 1, 2). Esta é a nossa definição: nós pertencemos àqueles que invocam o nome do Senhor Jesus Cristo. Portanto compreende-se bem quanto seja desejável que se realize o que o próprio Paulo deseja ao escrever aos Coríntios: "Mas se todos começarem a profetizar e entrar ali um descrente qualquer ou simples ouvinte, há-de sentir-se tocado por todos, julgado por todos; os segredos do seu coração serão desvendados e, prostrando-se com o rosto por terra, adorará a Deus, proclamando que Deus está realmente no meio de vós" (1 Cor 24-25). Assim deveriam ser os nossos encontros litúrgicos. Um não cristão que entra numa assembleia nossa, no final deveria poder dizer: "Verdadeiramente Deus está convosco". Peçamos ao Senhor que sejamos assim, em comunhão com Cristo e em comunhão entre nós.
A história mostra-nos que se alcança normalmente Jesus através da Igreja! Num certo sentido, isto verificou-se, dizíamos, também para Paulo, o qual encontrou a Igreja antes de encontrar Jesus.
Mas este contacto, no seu caso, foi contraproducente, não causou a adesão, mas uma violenta repulsa. Para Paulo, a adesão à Igreja foi propiciada por uma intervenção directa de Cristo, o qual, tendo-se-lhe revelado no caminho de Damasco, se identificou com a Igreja e lhe fez compreender que perseguir a Igreja era perseguir o Senhor. De facto, o Ressuscitado disse a Paulo, o perseguidor da Igreja: "Saulo, Saulo, porque me persegues?" (Act 9, 4). Perseguindo a Igreja, perseguia Cristo. Então Paulo converteu-se, ao mesmo tempo, a Cristo e à Igreja. Disto compreende-se depois porque a Igreja tenha estado tão presente nos pensamentos, no coração e na actividade de Paulo. Em primeiro lugar, porque ele fundou literalmente muitas Igrejas nas várias cidades onde foi para evangelizar. Quando fala da sua "solicitude por todas as Igrejas" (2 Cor 11, 28), ele pensa nas várias comunidades cristãs suscitadas de cada vez na Galácia, na Iónia, na Macedónia e na Acaia. Algumas daquelas Igrejas também lhe deram preocupações e desgostos, como aconteceu por exemplo nas Igrejas da Galácia, que ele viu seguir "outro Evangelho" (Gl 1, 6), ao que se opôs com firme determinação. Contudo ele sentia-se ligado às Comunidades por ele fundadas de maneira não fria nem burocrática, mas intensa e apaixonada. Assim, por exemplo, define os Filipenses "meus caríssimos e saudosos irmãos, minha coroa e alegria" (4, 1). Outras vezes compara as várias Comunidades com uma carta de apresentação única no seu género: "A nossa carta sois vós, uma carta escrita nos nossos corações, conhecida e lida por todos os homens" (2 Cor 3, 2). Outras vezes ainda mostra em relação a eles um verdadeiro sentimento não só de paternidade mas até de maternidade, como quando se dirige aos seus destinatários interpelando-os como "Meus filhos, por quem sinto outra vez as dores de parto, até que Cristo se forme entre vós!" (Gl 4, 19; cf. também 1 Cor 4, 14-15; 1 Ts 2, 7-8).
Nas suas Cartas Paulo ilustra-nos a sua doutrina sobre a Igreja como tal. Portanto, é muito conhecida a sua original definição da Igreja como "corpo de Cristo", que não encontramos noutros autores cristãos do I século (cf. 1 Cor 12, 27: Ef 4, 12; 5, 30; Cl 1, 24). A raiz mais profunda desta surpreendente designação da Igreja encontrámo-la no Sacramento do corpo de Cristo. Diz São Paulo: "Uma vez que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo" (1 Cor 10, 17). Na mesma Eucaristia Cristo dá-nos o seu Corpo e faz-nos seu Corpo. Neste sentido São Paulo diz aos Gálatas: "todos sois um em Cristo" (Gl 3, 28). Com tudo isto Paulo faz-nos compreender que existe não só uma pertença da Igreja a Cristo, mas também uma certa forma de equiparação e de identificação da Igreja com o próprio Cristo. Portanto, é daqui que deriva a grandeza e a nobreza da Igreja, ou seja, de todos nós que a ela pertencemos por sermos membros de Cristo, quase uma extensão da sua presença pessoal no mundo. E daqui se origina, naturalmente, o nosso dever de viver realmente em conformidade com Cristo. Daqui derivam também as exortações de Paulo a propósito dos vários carismas que animam e estruturam a comunidade cristã. Todos eles reconduzem a uma única fonte, que é o Espírito do Pai e do Filho, sabendo bem que na Igreja ninguém está desprovido dele, porque, como escreve o Apóstolo, "a cada um é dada a manifestação do Espírito, para proveito comum" (1 Cor 12, 7). Mas é importante que todos os carismas cooperem juntos na edificação da comunidade e não se tornem ao contrário motivo de dilaceração. A este propósito, Paulo pergunta rectoricamente: "Estará Cristo dividido?" (1 Cor 1, 13). Ele sabe bem e ensina-nos que é necessário "manter a unidade do Espírito, mediante o vínculo da paz. Há um só Corpo e um só Espírito, assim como a vossa vocação vos chamou a uma só esperança" (Ef 4, 3-4).
Sem dúvida, realçar a exigência da unidade não significa afirmar que se deva uniformizar ou nivelar a vida eclesial segundo um único modo de agir. Noutro texto Paulo ensina a "não apagar o Espírito" (1 Ts 5, 19), isto é, a dar generosamente espaço ao dinamismo imprevisível das manifestações carismáticas do Espírito, o qual é fonte de energia e de vitalidade sempre nova. Mas se há um critério do qual Paulo não prescinde é a mútua edificação: "que tudo se faça de modo a edificar" (1 Cor 14, 26). Tudo deve concorrer para construir ordenadamente o tecido eclesial, não só sem estagnação, mas também sem fugas ou excepções. Depois, há outra Carta paulina que chega a apresentar a Igreja como esposa de Cristo (cf. Ef 5, 21-33). Com isto retoma-se uma antiga metáfora profética, que fazia do povo de Israel a esposa do Deus da aliança (cf. Os 2, 4.21; Is 54, 5-8): com isto pretende-se dizer quanto sejam íntimas as relações entre Cristo e a sua Igreja, quer no sentido de que ela é objecto do amor mais terno da parte do seu Senhor, quer também no sentido de que o amor deve ser recíproco e que, por conseguinte também nós, como membros da Igreja, devemos demonstrar fidelidade apaixonada em relação a Ele.
Definitivamente, está em jogo a relação de comunhão: a vertical entre Jesus Cristo e todos nós, e também a horizontal entre todos os que se distinguem no mundo pelo facto de "invocar o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Cor 1, 2). Esta é a nossa definição: nós pertencemos àqueles que invocam o nome do Senhor Jesus Cristo. Portanto compreende-se bem quanto seja desejável que se realize o que o próprio Paulo deseja ao escrever aos Coríntios: "Mas se todos começarem a profetizar e entrar ali um descrente qualquer ou simples ouvinte, há-de sentir-se tocado por todos, julgado por todos; os segredos do seu coração serão desvendados e, prostrando-se com o rosto por terra, adorará a Deus, proclamando que Deus está realmente no meio de vós" (1 Cor 24-25). Assim deveriam ser os nossos encontros litúrgicos. Um não cristão que entra numa assembleia nossa, no final deveria poder dizer: "Verdadeiramente Deus está convosco". Peçamos ao Senhor que sejamos assim, em comunhão com Cristo e em comunhão entre nós.
(Bento XVI, Audiência Geral, 22.11.2006)
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