Uma leitura dos acontecimentos históricos
RIO DE JANEIRO, quinta-feira, 28 de junho de 2012 (ZENIT.org)
-É possível fazer uma leitura dos acontecimentos históricos que
percorrem desde o surgimento do Luteranismo até o relativismo atual
através da chave de interpretação da quádrupla negação. Sendo que uma negação prepara o sucessivo “não”. Vejamos de modo concreto para entender a questão.
1.DEUS SIM, IGREJA NÃO
É
a negação surgida e instaurada por Lutero. Permite uma visão mais
subjetivista da fé, onde realça o caráter pessoal da salvação em
detrimento do caráter institucional. É possível seguir a Deus, sem
seguir uma instituição em concreto. Nega-se o caráter necessário da
Igreja para a salvação, para isto, será necessário defender um conjunto
de conceitos epistemológicos que será à base do pensamento da filosofia
moderna.
2.DEUS SIM, CRISTO NÃO
Esta
segunda grande negação é própria do século da ilustração, onde se busca
uma fé fundada apenas na razão. Aceita-se a Deus, mas apenas como um
grande relojoeiro que fez sua obra prima (o cosmos), a dotou das forças
necessárias para se autogerir e foi embora. A providência é jogada no
lixo, surge o DEISMO. Um Deus sem culto e despersonalizado. O homem é
senhor total e absoluto de seu próprio destino. Nega-se a
transcendência. A realidade não é apreendida objetivamente pelo ser
humano, mas construída intelectualmente através das percepções
sensitivas que são próprias a toda raça humana.
É
no contexto desta segunda negação que surge a Revolução Francesa,
retirando dos templos católicos a presença dos santos e de Cristo
eucaristia, e erigindo altares à Deusa Razão. Uma “contraditio
terminis”, pois “mitologizam” a fé católica, retiram dos evangelhos tudo
que seja milagroso e sobrenatural e ao mesmo tempo criam culto e templo
para a “Deusa Razão”.
É
um racionalismo fundando na irracionalidade do caos e da violência.
Destinada intelectualmente ao fracasso, a revolução tinha seus dias
contados, apesar da propaganda massiva da revolução perpetrada por
Jacques-Louis David criando obras como o Juramento de Horácio (cena
dramática que convida a população a pegar em armas) e perpetuando o
mártir da revolução no quadro “A morte de Marat”.
A
revolução francesa nasce de exigências legítimas de uma população que
sofria pela fome, crise nas colheitas e impostos sufocantes. No entanto,
conduzida não pela razão que tanto defendia, mas pelo terror das
guilhotinas. O lema “liberdade, igualdade e fraternidade”, pese seu
caráter evangélico e de se propor como novo evangelho, era escrito pelo
sangue de muitos homens e mulheres que não se alinhavam. Vemos a
expropriação das propriedades do clero, a assassinato de sacerdotes,
religiosos e religiosas. A Fé católica é vista como fundamento do Ancient Regime e como tal deve ser varrida do mapa, como principal inimiga da revolução e de seus ideais.
Surge,
então, como resposta a esta barbárie um novo absolutismo que se espalha
por toda a Europa. Mas, o mundo já não era mais monárquico, a semente
do pensamento revolucionário já tinha sido plantada. E mais tarde
crescerá com mais furor através da revolução marxista que veremos a
seguir na terceira negação.
3.DEUS NÃO, O HOMEM SIM
É
a última negação presente no séc. XIX. Deus já não é necessário para
garantir a ordem do mundo. A única realidade é a material e a este
senhor devemos prestar contas. Seu fundamento é a filosofia Hegeliana.
Onde o espirito absoluto é traduzido à matéria. E os indivíduos são
apenas um momento, uma ocasião para o desenvolvimento da matéria, do
mundo perfeito sem classes e de total igualdade.
Na
filosofia marxista, não há pessoas, existe apenas o estado, que se
desenvolve através da dialética de lutas de classes. O novo homem e nova
humanidade marxista é a síntese final do processo dialético, onde a
tese são os sistemas econômicos burgueses e a antítese é a classe
operária explorada. O marxismo acelera o confronto entre ambas que
ocorrerá de modo necessário.
A
visão de pessoa humana como um momento do processo dialético
materialista é o que justifica a barbárie de mais de 100 milhões de
pessoas exterminadas por Stalin. Os comunistas alegam que isto ocorreu
porque Stalin desvirtuou a revolução. Em realidade, ele se apresenta
como aquele que leva até as últimas consequências os pressupostos
filosóficos da revolução.
A negação de Deus só é possível, em última instância, através da negação do ser humano, o que nos conduz a uma quarta negação.
4.O HOMEM NÃO
A
degradação da razão humana conduz a negação da impossibilidade da
existência de qualquer verdade absoluta. A filosofia hermenêutica
presente na obra “Verdade e Método” de Gadamer é um exemplo. O homem
constrói a verdade segundo seu grupo social e cultura, e este grupo com
“suas verdades" é que constrói o homem e a verdade das coisas. Deste
modo, a verdade é sempre mutável e não um termo “ad quo”, não há uma
finalidade para vida humana, mas apenas uma construção de algo caótico a
um nada último.
Esta
visão epistemológica se apresenta como fundamento do relativismo moral e
do indiferentismo religioso. Quando tudo é verdade, não existe verdade.
E quando nada é objetivamente verdadeiro, todas as coisas são colocadas
no mesmo plano, perdendo seu valor. Priva a racionalidade humana do
principio de não contradição, conduzindo a humanidade a ações bárbaras.
Sobre
a bandeira da tolerância, o relativismo implanta uma verdadeira
ditadura da força e do poder. Pois quando não há uma verdade como
critério e medida de nossas ações, se implanta a verdade subjetiva dos
mais fortes. Por isso, as politicas e medidas sociais são implantadas
não em vistas a um bem comum, ou um critério de bondade e verdade, mas
segundo pressões sociais, econômicas ou interesses privados.
Assim
vemos a aprovação das uniões homoafetivas, a aprovação do aborto em
geral, e do bebê anencéfalo em especifico. O homem volta-se contra o
mesmo homem, pois ferido em sua racionalidade, é incapaz de perceber as
consequências de seus atos que vão contra a sua própria humanidade.
CONCLUSÃO: UNIDADE SUBSTANCIAL DO SER HUMANO
Existe
uma profunda unidade entre as questões religiosas, econômicas,
filosóficas, sociais e politicas. Não são elementos separados, pois quem
as elabora, vive e pratica é o homem. O ser humano é o centro das
questões.
Por
isso, um subjetivismo religioso exacerbado de Lutero nos conduz a uma
filosofia moderna que coloca o homem como criador da realidade e a Deus
apenas como garantidor de uma ordem. Este racionalismo moderno exige a
existência de um Deus impessoal e ordenador, surgindo o Deísmo próprio
do iluminismo, com sua expressão mais “gloriosa e nefasta” instaurado no
culto à “Deusa Razão” no período da Revolução Francesa. Revolução esta
guiada por um desejo de fazer o bem, mas com princípios que levariam ao
terror. Neste processo de degradação da razão humana o surgimento de
regimes ateus, o indiferentismo e o relativismo presentes nos dias
atuais são consequências naturais.
Um
processo de negação da objetividade das coisas que "corrói" a razão
humana, pois negar a capacidade de transcendência humana, é negar a
mesma humanidade.
*Por
Daniel Marques .
Formado em Humanidades Clássicas em Salamanca, Espanha, obteve a graduação e o Mestrado em Filosofia em Roma, e atualmente cursa o 2o. ano de teologia na arquidiocese do Rio de Janeiro.
Formado em Humanidades Clássicas em Salamanca, Espanha, obteve a graduação e o Mestrado em Filosofia em Roma, e atualmente cursa o 2o. ano de teologia na arquidiocese do Rio de Janeiro.
Comentários