É preciso rezar todos os dias, segundo a recomendação do próprio Jesus. Nossa oração, no entanto, deve ser feita com respeito a Deus, profunda fé, confiança e humildade.
Rezar é um dos gestos mais comuns de religiosidade. Quem tem fé reza; quem não reza, expõe-se a perder a fé e, talvez, já nem tenha fé, pois a oração expressa nosso reconhecimento de Deus. Jesus rezou, passou noites em oração e ensinou os discípulos a rezar. E recomendou que é preciso rezar sempre, sem jamais deixar de fazê-lo.
Será que toda oração é igualmente boa? Como deve ser nossa oração para ser boa e chegar ao coração de Deus? Observando as pessoas que entravam no templo para rezar, Jesus contou a parábola do fariseu e do publicano em oração (cf. Lc 18,9-14). Um fariseu entra, vai bem à frente, fica de pé e começa a fazer o elogio de si próprio diante de Deus, desprezando os outros, que considera pecadores, ladrões e adúlteros. Ele se considera justo e cheio de méritos, como a recordar a Deus: tu me deves isso e aquilo...
O publicano, conhecido como pecador público, entra no templo, fica lá no fundo, abaixa a cabeça e nem ousa levantar o olhar, mas bate no peito, dizendo: tem piedade de mim, que sou um pecador. Jesus conclui a parábola: a oração do fariseu não agradou a Deus.
A oração do publicano sim, tocou e comoveu o coração de Deus. O que houve de errado na oração do fariseu? Ele rezou com atitude soberba, muito convencido dos próprios méritos, sem reconhecer que também ele tem necessidade de Deus. Faltou o sincero reconhecimento de Deus e humildade. Sobrou autossuficiência e até arrogância, a ponto de desprezar os outros, considerados pecadores, gente que não presta. Esqueceu que Deus também quer a salvação dos pecadores e ele próprio devia se reconhecer como um deles. Ninguém se salva pelos próprios méritos, sem precisar da misericórdia de Deus. Se rezamos com o coração cheio de soberba e até ódio contra os outros, nossa oração é como a do fariseu e não agrada a Deus.
O que foi bom na oração do publicano? Não foi o fato de ele estar cheio de pecados, o que ele reconhece. Bem por isso, ele foi ao templo para rezar, para pedir perdão, recorrendo a Deus, confiante na sua misericórdia. O que agradou a Deus na oração do publicano foi sua sinceridade e humildade. Ele reconhece que precisa de Deus e pede piedade, reconhecendo que não tem méritos próprios para apresentar a Deus. Na sua prece, o publicano não fez o julgamento dos outros e não desprezou a ninguém.
Na Bíblia inteira, fica muito claro que Deus despreza os corações arrogantes e soberbos. Maria também proclama isso no seu cântico: “dispersou os soberbos de coração e elevou os humildes”. E o Livro do Eclesiástico diz que “a prece dos humildes atravessa as nuvens” (Eclo 35,17).
É preciso rezar todos os dias, segundo a recomendação do próprio Jesus. Nossa oração, no entanto, deve ser feita com respeito a Deus, profunda fé, confiança e humildade. A fé em Deus é o sincero reconhecimento de Deus e de tudo o que isso significa. É reconhecer que Deus é Deus e que nós não somos deuses. Na oração, não tratamos com Deus de igual para igual. A humildade nos coloca no nosso devido lugar diante de Deus: como criaturas e como filhos amados. Nem deve nossa oração ter a pretensão de “dobrar” a Deus com muitas palavras e argumentos. Na oração, nunca podemos ter a pretensão de fazer uma espécie de “negócio com Deus”; menos ainda, de “subornar” a Deus, para fazê-lo concordar com propósitos ou projetos desonestos. A oração verdadeira deve expressar a disposição sincera de fazer a vontade de Deus e de observar seus mandamentos: “seja feita a vossa vontade”. Outra forma errada de oração seria a pretensão de manipular ou instrumentalizar a Deus mediante a magia. Essa maneira de mostrar domínio sobre Deus mediante a vontade e as ações humanas seria profundamente desrespeitosa de Deus e blasfema.
A oração verdadeira leva à conversão sincera de nossa vida e à conformação de nossos comportamentos e atitudes com a vontade de Deus, como Jesus ensinou na primeira parte do Pai-Nosso: “seja feita a vossa vontade”. Todos nós somos eternos aprendizes na oração e vamos amadurecendo na prática da oração à medida que crescemos na fé, esperança e caridade. É o que nos fez pedir a bela oração da Liturgia do 30º Domingo do Tempo Comum: “Deus eterno e todo-poderoso, aumentai em nós a fé, a esperança e a caridade e dai-nos amar o que ordenais para conseguirmos o que prometeis”. Quando aprendemos a amar o que Deus nos pede, que é bom e santo, podemos esperar com confiança aquilo que Deus nos promete e que pedimos em nossas orações.
Cardeal Odilo Pedro Scherer Arcebispo Metropolitano de São Paulo
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