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Como Deus pode falar com a criatura?

Como se hão de explicar os colóquios de Deus com o homem narrados pela Bíblia? Como pode Deus falar com a criatura?
Em resposta, consideraremos sucessivamente os dados precisos do problema e a sua respectiva solução.

 

1. O problema

Não existe motivo para se negar sistematicamente ou de antemão que Deus tenha manifestado aos homens proposições doutrinárias e desígnios da sua Providência. Essas manifestações por si mesmas seriam algo de muito condizente com a Sabedoria Divina, que destarte teria orientado com segurança as criaturas, a fim de não frustrarem sua missão na terra, mas chegarem mais facilmente ao último Fim.

Ora a Sagrada Escritura atesta que Deus de fato dirigiu repetidamente sua palavra («falou») aos homens para os guiar na vida quotidiana. A afirmação talvez surpreenda, porque na verdade Deus é puro Espírito; por conseguinte, não possui boca nem os órgãos corpóreos que possibilitam a locução habitual entre os homens. Surge, portanto, a questão : como explicar que o puro Espírito possa falar a quem só entende mediante sinais sensíveis ou corpóreos ?

 

2. A solução

A dúvida é, sem grande embaraço, solucionada pelos teólogos, que indicam três vias pelas quais Deus pode comunicar verdades ou «falar» aos homens.
Para se entenderem devidamente essas vias. será preciso breve. mente enumerar as diversas faculdades de conhecimento de que é dotado o homem:

– pelos sentidos externos (visão, audição, tato…)
– pelos sentidos internos: fantasia, estimativa, memória sensitiva intelectivo: pelo inteligência (raciocínio)

Normalmente todo conhecimento humano começa pelos sentidos externos, que apreendem os objetos existentes fora do homem. As impressões colhidas pelos sentidos externos são levadas aos sentidos internos, que as guardam, associam e reproduzem, ora de maneira livre, ora sob o controle da vontade, interiormente, tais imagens possuídas pelos sentidos externos e internos são elaboradas pela inteligência, que delas abstrai conceitos universais ou definições.

Está claro que o Senhor Deus pode intervir nesse processo ordinário de conhecimento, fazendo que os sentidos internos ou a inteligência concebam noções não recebidas dos sentidos externos. É o que se verificará nas considerações abaixo.

Passemos agora à enumeração das três anunciada» vias de comunicação de Deus aos homens.
2.1) Via da visão ou da locução intrínseca. Deus pode impressionar os olhos ou os ouvidos de certas pessoas mediante imagens ou sons realmente existentes fora delas. Em tal caso, o Altíssimo, para produzir imagens e sons, costuma servir-se de elementos sensíveis existentes na natureza.


Foi o que se deu, por exemplo, quando Moisés no monte Horeb viu a sarça ardente e ouviu a voz do Senhor Deus (cf. Êx 3,4-4,17);

O texto sagrado dá a entender que fora do vidente houve realmente um fenômeno produtor dessas impressões e especialmente suscitado pelo Todo-Poderoso. É neste sentido que se deve interpretar o texto sagrado quando diz que o Senhor falava a Moisés «face a face, como um homem costuma conversar com seu amigo» (Êx 33,11)

ou

– «boca a boca, deixando-se ver… de modo que Moisés contemplava a figura de Javé» (Núm 12,8; trata-se aqui não da visão gloriosa da essência divina, mas da percepção de um sinal sensível que manifestava claramente ao olho humano a presença de Deus).

Também se admite locução extrínseca nos casos de Samuel (cf. Sam 3, 1-14) e de Elias no monte Horeb (cf. 3 Rs 19,12s), os quais, como insinua o texto sagrado,, terão ouvido uma voz sensível.
Quanto ao profeta Daniel, teve a visão de uma inscrição misteriosa oriunda na parede do palácio régio e portadora de mensagem divina (cf. Dan 5,5).

Os comentadores, atendendo às narrativas da Sagrada Escritura mesma, julgam que o Senhor Deus não deve ter frequentemente usado de tal via para se comunicar às criaturas.

2.2) Via da visão meramente intrínseca. Neste caso, Deus, dispensando a percepção imediata dos sentidos externos (às vezes, o vidente está arrebatado ou em êxtase), suscita na fantasia ou na imaginação dos homens agraciados imagens tais que representem uma mensagem ou um oráculo do Senhor. Tais figuras podem ser diretamente infundidas pelo Altíssimo, como também podem ser o produto da associação de impressões anteriormente colhidas pelo conhecimento natural sensitivo, associação, porém, que o Senhor provoca em vista de uma mensagem a comunicar.

2.3) Também nós podemos reproduzir simplesmente ou livremente associar imagens adquiridas em nossa vida passada, de modo a conceber uma história imaginária ou a «divagar pelo mundo da fantasia». Acontece, porém, que, quando nós fazemos tal exercício, geralmente fugimos à realidade, e vivemos momentos ilusórios. Contudo, quando Deus suscita esse exercido em nossa imaginação, Ele o utiliza para a comunicação ou para a confirmação de uma verdade. A expressão «ver por fantasia ou imaginação» costuma ter significado pejorativo na linguagem quotidiana; essa nota pejorativa, porém, não lhe é necessária; pode haver genuína intuição da verdade por mera representação da fantasia ou da imaginação, sem que algum objeto impressione simultaneamente os sentidos externos (a visão ou a audição, por exemplo).

Foi por via de visão meramente intrínseca que o profeta Isaías contemplou o Senhor assentado sobre um trono e cercado de serafins que O adoravam (cf. Is 6,1-11). Também foi desse modo que Jeremias viu a vara de amendoeira e a caldeira a fervilhar (cf. Jer 1,11-13).

O sonho não é senão uma modalidade dessa reprodução de imagens contidas dentro da fantasia. Os sonhos podem ser diretamente provocados por Deus ; tornam-se então expressão de um oráculo divino, como foi dito em «P.R.» 19/1959, qu. 6 ; o texto sagrado mesmo, em Núm 12,6, enuncia o sonho como recurso habitual mediante o qual o Senhor se comunicava aos profetas do Antigo Testamento. — À guisa de exemplo, cita-se Zac 1,7-6,8, onde se lê o relato de oito visões noturnas, que não poucos comentadores identificam com sonhos suscitados pelo Senhor para desvendar desígnios divinos.

Dado o grande perigo de ilusões na interpretação de imagens meramente intrínsecas (concebidas em vigília ou em sono), as revelações do Senhor feitas por esta via sempre foram acompanhadas das luzes necessárias para que os videntes percebessem o verdadeiro sentido das figuras.

4) Via da revelação intelectual -imediata. Deus pode infundir ideias ou noções à inteligência, dispensando as funções dos sentidos que normalmente deveriam preceder as do intelecto. É o que, conforme S. Tomás (S. Teol. n/IT qu. 174 a. 2), se deve ter dado com o profeta Davi, o qual professa haver-lhe o Senhor falado como «a luz da aurora…, como uma manhã sem nuvens» (2 Sam 23,3); a luz pura, sem nuvens, significaria, no caso, o conhecimento intelectual mais puro (ou desembaraçado de imagens concretas e grosseiras) de que o homem seja capaz.

Vão seria pretender definir quais os casos em que esta forma de revelações se terá verificado na história sagrada.

A prudência aconselha que nos detenhamos aqui na explanação do assunto, a fim de não nos arriscarmos a fazer afirmações ousadas ou mesmo errôneas.


 Dom Estêvão Bettencourt, OSB

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