O filme mexicano Cristiada (For Greater Glory, 2012),
dirigido por Dean Wright, com a presença de Andy Garcia e Peter O´Toole
no elenco, comoveu o mundo católico. A perseguição à Igreja e a entrega
da própria vida como prova de amor a Cristo apareceram como eventos
próximos, não exclusivos aos primeiros anos dourados do cristianismo. A
narração destes atos heroicos na tela do cinema, como é natural, exigem
recortar ou adaptar uma história muito mais rica, que talvez ficará
apenas entre as almas fiéis e Deus, que aceitaram o holocausto supremo
do martírio. No entanto, o filme procura ser fiel à verdade dos
acontecimentos, baseado no clássico livro do historiador francês Jean
Meyer, e traçou muito bem as características, os personagens e eventos
principais da Guerra dos Cristeros. Entre os personagens que aparecem no
filme, destacam-se, entre outros, o beato José Sánchez del Río,
martirizado com 14 anos e beatificado por Bento XVI, junto com Anacleto
González Flores, Miguel Gómez Loza e os irmãos Vargas; os padres
Cristóbal Magallanes e José María Robles, canonizados por João Paulo II.
Curiosamente, não é fácil encontrar informações a respeito nos
principais manuais de história da Igreja.
Em fins do século XIX e início do XX,
a Igreja na América Latina, frente às agressões liberais das novas
repúblicas, se viu na necessidade de se defender. Apesar que em muitos
países a Igreja conseguiu assinar concordatos, a sua condição sempre foi
instável, na dependência dos humores do soberano e da ideologia
hegemônica. O México foi um local privilegiado de rebeliões camponesas
de caráter religioso, devido às constantes perseguições que os católicos
sofriam. Nos inícios do século XX aumentaram as conspirações e
movimentos camponeses, contra as perseguições religiosas, que alcançaram
o seu apogeu em 1926, ano no qual eclodiu a Guerra dos Cristeros
(1926-1929).
A revolução liberal liderada pelo general Venustiano Carranza (1859-1920),
presidente de 1916 a 1920, caracterizou-se pela intolerância com a
Igreja: suas tropas multiplicaram os incêndios em templos, roubos,
violações e assassinatos de sacerdotes e religiosos. A orientação
anticristã do Estado se consolidou na Constituição de 1917, que
estabelecia a educação laica obrigatória, proibia os votos e o
estabelecimento de ordens religiosas, bem como todo ato de culto fora
dos templos e casas particulares. Perpetuava a confiscação dos bens da
Igreja e proibia a existência de colégios de inspiração religiosa,
conventos, seminários e casas curiais.
O presidente Plutarco Elías Calles (1924-1928)
aumentou ainda mais as restrições à Igreja, quando reformou o Código
Penal e estabeleceu a Lei Calles de 1926. Com ela, expulsou os
sacerdotes estrangeiros, sancionou com multas e prisões aqueles que se
dedicavam ao ensino religioso, ou que se vestiam como clérigos ou
religiosos, ou realizavam atos de culto fora dos templos. Tentou-se
criar uma Igreja cismática mexicana, em torno ao um precário Patriarca
Pérez, que morreu excomungado.
Diante desta situação insustentável, os bispos mexicanos, em uma enérgica carta pastoral de 25 de julho de 1926,
manifestaram sua decisão de trabalhar para que os decretos e artigos da
Constituição fossem reformados, encontrando grande intolerância por
parte do governo de Calles. No dia 31 de julho, com previa consulta à
Santa Sé, o episcopado ordenou a suspensão do culto público em toda a
República. Imediatamente, uma dezena de bispos foi expulso bruscamente
do país, entre eles o arcebispo de México. Entretanto, nem os
partidários de Calles nem os bispos esperavam a forte reação do povo
diante da suspensão do culto: foi o início de uma guerra civil que duraria mais de 3 anos.
Em
agosto de 1926 foram assassinados três leigos e o pároco de
Chalchihuites, na Província de Zacatecas, levantando-se o primeiro foco
de movimento armado. Até dezembro deste ano se produziram 64
levantamentos espontâneos e isolados, a maior parte em Jalisco,
Guanajuato, Guerrero, Michoacán e Zacatecas. Aos poucos, os rebeldes
foram conseguindo armas dos próprios soldados de Calles, através de
ataques de guerrilhas ou compras. Os camponeses entraram em luta para
defender a Deus, sua religião, e sua mãe a Igreja, e utilizavam o grito
“viva Cristo Rei, viva a Santíssima Virgem de Guadalupe, viva México”,
que marcou todo o movimento. A consagração da república do México a
Cristo Rei, e a coroação das imagens do Sagrado Coração de Jesus haviam
sido feitas pela primeira vez no dia 6 de janeiro de 1914, em um
soleníssimo ato na catedral, com a prévia autorização de Pio X
(1903-1914). Desde então, estas aclamações estavam muito popularizadas. À
frente destes movimentos se pôs a Liga Nacional Defensora de la Libertad Religiosa, fundada em março de 1925 e estendida a toda república em pouco tempo[A1] .
Por
outro lado, havia um ativo anticlericalismo entre os oficiais
militares, que levavam a incentivar suas tropas a combaterem aos gritos
de “viva Satanás”. Foram eles que deram aos rebeldes, por
burla, o nome de Cristeros. Porém, havia grande indisciplina no
exército, muitas deserções e pouco treinamento. A brutalidade com que
lutavam alimentavam o desejo de vingança nas populações humildes. A
guerra se fazia também na imprensa, e falava-se de uma campanha de
“desfanatização”.
Em
18 de outubro de 1926 Pio XI recebeu uma comissão de bispos mexicanos,
que lhe informaram da situação no país. Parece ser que os bispos foram
incentivados pelo cardeal Pietro Gasparri (1852-1934), secretário de
Estado, a apoiar a defesa armada. Um mês mais tarde o papa publicou a
encíclica Iniquis afflictisque na qual denunciou os atropelos sofridos no México, e louvou a Liga Nacional Defensora de la Libertad Religiosa
e o heroísmo dos católicos mexicanos. No dia 30 de novembro de 1926 os
dirigentes da Liga Nacional dirigiram-se aos bispos Maximino Ruiz y
Flores (1875-1949), auxiliar da Cidade do México, e Pascual Díaz y
Barreto S.J. (1876-1936), de Tabasco, pedindo que não condenassem o
movimento, que sustentassem a unidade de ação em um mesmo chefe e plano,
formassem a consciência coletiva no sentido de que se tratava de uma
ação meritória, de legítima defesa armada. Os dois prelados aprovaram
quase todos os pontos.
No
dia 15 de janeiro de 1927 o comitê episcopal, respondendo a umas
declarações do governo, afirmava que o episcopado era alheio ao
levantamento, mas que havia circunstâncias na vida dos povos às quais
seria lícito aos cidadãos defenderem-se pelas armas os direitos
legítimos que não puderam conseguir com os meios pacíficos, e
repetiram-se outras declarações dos bispos sobre a legítima defesa. No
dia 2 de outubro de 1927 o cardeal Gasparri, em umas declaração ao The New York Times, contava os horrores da perseguição sofrida no México e denunciava o silêncio das nações.
Entretanto,
na medida em que passavam os meses as reticências das autoridades
eclesiásticas foram aumentando, devido aos males que a violência estava
causando. Vários bispos continuavam apoiando o movimento, e alguns
permaneceram ocultos em suas dioceses para atender aos cristeros.
Entretanto, não faltaram os bispos indecisos, ou aqueles que passaram a
reprovar o movimento, como foi o caso de Ruiz y Flores e Pascual Díaz.
Alguns chegaram a ameaçar de excomunhão os que se envolvessem nas lutas,
o que gerou certa perplexidade nos combatentes. A falta de apoio por
parte de alguns membros da hierarquia foi o maior sofrimento para os
cristeros. Em meados de dezembro de 1927, d. Pietro Fumasoni Biondi
(1872-1960), secretário da Congregação da Propaganda da Fé e delegado
apostólico nos Estados Unidos, transmitiu a d. Díaz y Barreto,
secretario do comitê episcopal, a disposição do papa segundo a qual os
bispos deveriam se abster de apoiar a ação armada e permanecer fora de
todo partido político.
Por
outra parte, o desenrolar da guerra fez o governo perceber que
dificilmente conseguiriam vencer. De fato, a meados de 1928, os
cristeros contavam com uns 25 mil homens em armas, e não podiam ser
vencidos. A grande vantagem dos rebeldes, porém, era que cada combatente
estava convencido da sua causa e, portanto, tinham melhor moral e
disciplina que as tropas federais, unificado agora pela Guarda Nacional,
cujo comandante supremo era o general Enrique Goroztieta Velarde
(1889-1929). Operando em pequenos grupos, golpeavam e fugiam, sofrendo
menos baixas que os soldados do governo. Depois de três anos de guerra,
calcula-se que morreram entre 25 a 30 mil cristeros, e 60 mil soldados
federais. Os camponeses estavam dispostos a seguir lutando até conseguir
o fim das perseguições à religião, era evidente que seria improvável
pacificar o Estado antes que se solucionasse a questão religiosa. O
governo, vendo-se em bancarrota, tinha urgência em terminar o conflito, e
negociar o reconhecimento dos direitos da Igreja
Depois
que o novo presidente Emilio Portes Gil (1928-1930) manifestou boa
vontade em solucionar os problemas com a Igreja, d. Ruiz y Flores e d.
Díaz y Barreto foram levados dos Estados Unidos à Cidade do México pelo
embaixador norteamericano, Dwight Whitney Morrow. Os prelados foram
mantidos incomunicáveis em uma luxuosa residência onde só entraram
sacerdotes estrangeiros ou outros embaixadores a fim de negociar a paz,
que foi conhecida como os arreglos de 1929. Este acordo não
cumpriu as normas escritas que Pio XI havia deixado, pois não tiveram em
conta o juízo dos demais bispos, nem dos cristeros, nem da Liga
Nacional. Com ele não conseguiram a derrogação das leis persecutórias da
Igreja, menos ainda garantias escritas que protegessem os cristeros uma
vez depostas as armas; somente umas palavras de conciliação e boa
vontade por parte do presidente e umas vagas declarações escritas, nas
quais comprometiam-se a reativar o culto e os serviços religiosos.
Diante das notícias dos arreglos
de 1929, o general Goroztieta escreveu uma carta aos bispos mexicanos,
dizendo que as notícias de negociações entre os bispos e o governo era,
para eles, uma bofetada. Caso os bispos desaprovassem a atitude dos
cristeros, eles tomariam tal atitude como indigna e traidora. Desejavam
que fosse a Guarda Nacional quem deveria negociar com o governo. Esta
era a genuína representação do povo, tinham direito a serem ouvidos pois
eram parte constitutiva da Igreja católica de México, como afirmavam.
No dia 2 de junho de 1929 o general Goroztieta foi assassinado em uma
emboscada pelas tropas federais, e sucedeu-lhe à frente da Guarda
Nacional o general Jesús Degollado Guízar (c.1890-1957).
O governo se aproveitou desta situação e anunciou que o clero se submeteria estritamente às leis.
O chefe supremo da Guarda Nacional, general Degollado, dirigiu-se a
todos os cristeros, afirmando haviam sido abandonados pelos bispos e que
se dissolveriam. Mais chefes cristeros foram mortos depois dos arreglos
que durante a guerra. Foi uma dura prova para a fé do povo que, no
entanto, se mantiveram fiéis à Igreja com a ajuda dos mesmos sacerdotes
que, durante a guerra, haviam assistido-lhes. Muitos dos cristeros
entregaram as armas por obediência, por fidelidade à Igreja.
Quando se suspendera o culto em 31 de julho de 1926 a imensa maioria do clero, cerca de 3.500, se recolheu nas grandes cidades. Os sacerdotes que permaneceram no campo sabiam que corriam grave perigo, e dos 150 que permaneceram no campo, aproximadamente 50 deles foram executados.
Em 22 de novembro de 1992 João Paulo II beatificou 22 destes
sacerdotes. A maior parte deles pertenciam à arquidiocese de Guadalajara
– dioceses de Jalisco, Zacatecas e Guanajuato – ou à diocese de Colima.
Seus prelados, d. José Francisco Orozco y Jiménez (1864-1936),
arcebispo de Guadalajara de 1912 a 1936, e d. José Amador Velasco y Peña
(1856-1949), bispo de Colima de 1903 a 1949, permaneceram nos seus
postos junto com seus sacerdotes.
Apesar
que México vivia já quase um século de perseguição à educação
religiosa, e a condição escolar era baixa entre os cristeros, estes
demonstraram uma surpreendente cultura cristã. Sua fé era viva, possuíam
um rico conhecimento da Bíblia e da doutrina católica, meditavam os
mistérios do rosário que lhes imprimia um conhecimento vivo de Cristo,
das suas dores, com às quais podiam se identificar. Possuíam uma firme e
ortodoxa devoção à Nossa Senhora, a São José e aos santos. A sua grande
confiança na Providência divina dava-lhes uma fidelidade inquebrantável
à Igreja e uma coragem proverbial nos momentos do perigo. Nos
acampamentos, sempre que fosse possível, assistiam à Missa, comungavam, e
adoravam o Santíssimo Sacramento. Os sacerdotes que permaneceram com os
cristeros passavam o tempo confessando, batizando, casando e
organizando exercícios espirituais. Quando faltavam, um secular tomava a
frente da direção da vida religiosa, rezando o ofício da Igreja,
dirigindo o rosário ou cantos religiosos.
Os Cristeros tinham uma ideia do conflito mais religiosa do que política. Por exemplo, para eles, o presidente Calles estava vendido à maçonaria internacional, representava o estrangeiro yanki
e protestante, desejoso de destruir o catolicismo no país. Entendiam o
dever moral de obedecer, porque toda autoridade procede de Deus, mas
viam na perseguição do governo uma ação poderosa do maligno e estavam
convencidos da sua oposição. Considerava-se que era Satanás, a besta do Apocalipse,
estava fazendo a guerra aos santos, e muitas passagens escatológicas da
Escritura os iluminavam. Assim, entre o povo, o conflito recebia uma
interpretação mística, consideravam-se privilegiados por sofrer pela
Igreja, possuíam uma profunda noção do martírio. A morte tranquila e
alegre dos cristeros não deixava de impressionar os federais.
Os
camponeses tinham a consciência de entrarem na grande aventura mística
de dar o seu sangue pelo advento do Reino, consideravam a perseguição
como prova de predileção, e viam a guerra como uma santa empresa contra a
incredulidade, na qual o sangue do mártir era agradável a Deus. Os
cristeros deram testemunho da sua fé e confirmaram a profundidade da
evangelização realizada no México desde os inícios do século XVI.
E VIVA A CRISTO REI, VIVA À SANTISSIMA VIRGEM DE GUADALUPE, VIVA AO MEXICO !!!.
Fonte: www.presbiteros.com.br/site/a-guerra-dos-cristeros/
J. Meyer, La cristiada, I: “La guerra de los cristeros”, Siglo XXI, 199012 (1a ed. 1973); J. Meyer, La cristiada, II: “El conflicto entre la Iglesia y el estado 1926-1929”, Siglo XXI, 198911 (1a ed. 1973); J. Meyer, La cristiada, III: “Los cristeros”, Siglo XXI, 19899 (1a ed. 1974); V. Ceja Reyes, Los cristeros, crónica de los que perdieron, Grijabo, México 1981; L. López Beltrán, La persecución religiosa en México: Carranza, Obregón, Calles, Portes Gil, Tradición, México 1987; J. González Morfín, La guerra cristera y su licitud moral. Una perspectiva desde la teología sobre la licitud moral de la resistencia armada, Pontificia Universitas Sanctae Crucis, Roma 2004; A. Moctezuma, El conflicto religioso de 1926, II, Jus, México 1960; A. Ríus Facius, Méjico cristerio: historia de la ACJM, 1925 a 1931, Patria, México 1966; C.C. Zamora, Recuerdo y memoria de la cristiada: entrevistas históricas,
Gobierno del Estado de Colima, Secretaría de Cultura – Asociación
Colimense de Periodistas y Escritores, Colima 2005; A. Arias Urrutia, Cruzados de novela: las novelas de la guerra cristera, EUNSA, Pamplona 2002; M.A. Puente Lutteroth, Movimiento Cristero: una pluralidad desconocida, Progreso, México 2002; F.M. González, Matar y morir por Cristo Rey: aspectos de la Cristiada, Instituto de Investigaciones Sociales, UNAM – Plaza y Valdés, México 2001; J.A. Martínez, Los padres de la Guerra Cristera: estudio historiográfico, Universidad de Guanajuato, Guanajuato 2001.
Pe. Alexandre Antosz Filho.
[A1]Anacleto González Flores, conhecido
como mestre Cleto, organizou a União Popular em Jalisco e impulsionou a
Associação Católica da Juventude Mexicana, e foi um dos principais
líderes cristeros deste primeiro período. Distinguiu-se como professor,
orador e escritor católico, foi preso, tortura e executado com outros 3
companheiros.
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