"Depois de ter
examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, cheguei à
certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são
idôneas para exercer adequadamente o ministério petrino. Estou bem
consciente de que este ministério, pela sua essência espiritual, deve
ser cumprido não só com as obras e com as palavras, mas também e
igualmente sofrendo e rezando. Todavia, no mundo de hoje, sujeito a
rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida
da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é
necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este
que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim, que preciso
reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me
foi confiado".
Foi com essas
palavras que, no dia 11 de fevereiro, durante uma reunião com os
cardeais da cúria romana, o Papa Bento XVI anunciou a sua renúncia ao
pontificado.
Fazia tempo que
ele pensava no assunto. Em 2010, na entrevista que concedeu ao
jornalista Peter Seewald, fora claro: "Quando a dificuldade é grande,
não se pode fugir e dizer: 'Que outro se ocupe disso!'. Mas, se um Papa
percebe que já não tem condições físicas, mentais e espirituais para
levar adiante as obrigações de seu cargo, tem o direito e, em algumas
circunstâncias, o dever de se demitir".
Apesar de não
ser novidade na Igreja, seu ato provocou perplexidades. A história
lembra outros Papas que renunciaram ou foram obrigados a fazê-lo: São
Clemente (88/97), condenado ao exílio pelo imperador Domiciano, passou o
cargo a Santo Evaristo; São Ponciano (230/235), desterrado pelo
imperador Severo, deixou o lugar para Santo Antero; São Silvério
(536/537) foi deposto e substituído pelo Papa Vigílio; São Martinho
(649/655), degredado pelo imperador Constante II, acolheu de coração
aberto a nomeação do sucessor, Santo Eugênio. Mais complicado foram os
casos de Bento IX (1032/1045) e Gregório VI (1045/1046), forçados a
deixar a função por mau comportamento.
O Papa, porém,
que, de acordo com a "Divina Comédia" de Dante Alighieri, "fez a grande
renúncia", é São Celestino V. Seu pontificado nem chegou a quatro meses:
de 29 de agosto a 13 de dezembro de 1294. Sentindo-se pequeno diante
dos desafios da política eclesiástica, abandonou o cargo e recolheu-se à
vida eremítica. O último Papa a abdicar foi Gregório XII (1406/1415).
Seu nome está ligado ao "Grande Cisma do Ocidente" (1378/1415), período
em que tentaram ocupar o sólio pontifício dois - e, em dado momento,
três - Papas ao mesmo tempo. Para acabar com o escândalo, ele entregou
sua demissão nas mãos de Martinho V (1417/1431).
O gesto de
Bento XVI condiz com a sua visão do homem e da Igreja. A idade pesa. O
cargo é exigente. A saúde diminui. Reconhecer os próprios limites e
desapegar-se do poder é sabedoria e heroísmo. Pode-se servir à Igreja e à
humanidade de mil maneiras. Para tanto, o que importa é tomar
consciência de que há tempos e ocasiões diferentes, próprias de cada
momento e de cada pessoa. Quem ama, sempre descobre o jeito certo de
estar presente e atuante, mesmo quando, por qualquer motivo, precisa se
retirar e deixar que outros ocupem o lugar que até agora lhe pertencia.
Evidentemente, a
renúncia recebeu também outras interpretações, como a de Ferruccio De
Bortoli, diretor do jornal italiano "Corriere della Sera", que a viu
como resultado das intrigas que medram no Vaticano: "O ato do Papa foi
encorajado pela insensibilidade de uma cúria que, em vez de confortá-lo e
apoiá-lo, apareceu, por diversos de seus expoentes, mais empenhada em
jogos de poder e lutas fratricidas". De acordo com o cardeal brasileiro,
dom João Braz de Aviz, "entre os cardeais, há muita fidelidade, mas
também tensões. Existem diferentes estilos, personalidades, formas de
viver as coisas. Uns querem o diálogo, outros destacam a autoridade". O
padre Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, parece sintetizar a
opinião de uns e de outros: "O Papa é uma pessoa de grande realismo e
conhece os problemas e as dificuldades. A renúncia foi uma mensagem à
cúria, mas também a todos nós. Foi um ato de humildade, sabedoria e
responsabilidade".
Um ato que abre novos horizontes no modo de entender e de gerir a missão do Papa na Igreja e que, por isso, fará história.
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