Como preciosa herança do Ano paulino, podemos aceitar o convite do Apóstolo para aprofundar o conhecimento do mistério de Cristo, para que Ele seja o coração e o centro da nossa existência pessoal e comunitária . É precisamente da plena comunhão com Cristo que "brotam todos os outros elementos da vida da Igreja, em primeiro lugar a comunhão entre todos os fiéis, o compromisso de anúncio e de testemunho do Evangelho, o ardor da caridade para com todos, especialmente para com os pobres e os pequeninos" (cf. Insegnamenti, I, 2005, pp. 8-13 .
Como durante o Ano paulino a nossa referência constante foi São Paulo, assim nos próximos meses olharemos em primeiro lugar para São João Maria Vianney, o Santo Cura d'Ars, recordando o sesquicentenário da sua morte. Na carta que para tal ocasião escrevi aos sacerdotes, desejei ressaltar aquilo que mais resplandece na existência deste humilde ministro do altar: "a sua total identificação com o próprio ministério". Ele gostava de dizer que "um bom pastor, um pastor segundo o coração de Deus, é o maior tesouro que o bom Deus possa conceder a uma paróquia, e um dos dons mais preciosos da misericórdia divina". E, quase sem conseguir dar-se conta da grandeza do dom e da tarefa confiados a uma pobre criatura humana, suspirava: "Oh, como o sacerdote é grande! ... Se ele se compreendesse a si mesmo, morreria... D´us obedece-lhe: ele pronuncia duas palavras e, à sua voz, nosso Senhor desce do céu e encerra-se numa pequena hóstia".
Na verdade, precisamente considerando o binómio "identidade-missão", cada sacerdote pode sentir melhor a necessidade daquela progressiva identificação com Cristo, que lhe assegura a fidelidade e a fecundidade do testemunho evangélico.
O próprio título do Ano sacerdotal Fidelidade de Cristo, fidelidade do sacerdote põe em evidência o facto de que o dom da graça divina precede toda a possível resposta e realização pastoral do homem e assim, na vida do sacerdote, anúncio missionário e culto nunca são separáveis, como nunca devem ser separadas a identidade ontológico-sacramental e a missão evangelizadora.
De resto, a finalidade da missão de cada presbítero, poderíamos dizer, é "cultual": para que todos os homens possam oferecer-se a Deus como hóstia viva, santa e do seu agrado (cf. Rm 12, 1), que na própria criação, nos homens, se torna culto, louvor do Criador, recebendo daqui aquela caridade que são chamados a dispensar abundantemente uns aos outros.
Através do ministério dos presbíteros, se realiza o sacrifício espiritual de todos os fiéis, em união com o de Cristo, único Mediador: sacrifício que os presbíteros oferecem de modo incruento e sacramental, à espera da nova vinda do Senhor. Esta é a principal dimensão, essencialmente missionária e dinâmica, da identidade e do ministério sacerdotal: através do anúncio do Evangelho eles geram a fé naqueles que ainda não acreditam, para que possam unir ao sacrifício de Cristo o seu sacrifício, que se traduz em amor a Deus e ao próximo.
Prezados irmãos e irmãs, diante de tantas incertezas e canseiras, também no exercício do ministério sacerdotal, é urgente a recuperação de um juízo claro e inequívoco sobre a primazia absoluta da graça divina, recordando o que escreve S. Tomás de Aquino: "O menor dom da graça supera o bem natural de todo o universo" (Summa Theologiae, I-II, q. 113, a. 9, ad 2). Por conseguinte, a missão de cada um dos presbíteros dependerá, também e sobretudo, da consciência da realidade sacramental do seu "novo ser". Da certeza da sua identidade, não artificialmente construída mas gratuita e divinamente oferecida e recebida, depende o entusiasmo sempre renovado do sacerdote em relação à missão. Inclusive para os presbíteros é válido quanto escrevi na Encíclica Deus caritas est: "No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo" (n. 1).
Tendo recebido um dom de graça tão extroardinário, mediante a sua "consagração", os presbíteros tornam-se testemunhas permanentes do seu encontro com Cristo. Partindo precisamente desta consciência interior, eles podem desempenhar plenamente a sua "missão", através do anúncio da Palavra e da administração dos Sacramentos. Depois do Concílio Vaticano II, teve-se aqui e ali a impressão de que na missão dos sacerdotes, neste nosso tempo, havia algo de mais urgente; alguns pensavam que era necessário, em primeiro lugar, construir uma sociedade diversa. A página evangélica, que ouvimos no início, evoca ao contrário os dois elementos essenciais do ministério sacerdotal. Nessa época e hoje, Jesus envia os Apóstolos a anunciar o Evangelho e confere-lhes o poder de expulsar os espíritos malignos. Portanto, "anúncio" e "poder", ou seja, "palavra" e "sacramento", são as duas colunas fundamentais do serviço sacerdotal, para além das suas possíveis e múltiplas configurações.
Quando não se tem em consideração o "díptico" consagração-missão, torna-se verdadeiramente difícil compreender a identidade do presbítero e do seu ministério na Igreja. Com efeito, quem é o presbítero, a não ser um homem convertido e renovado pelo Espírito, que vive da relação pessoal com Cristo, fazendo constantemente próprios os seus critérios evangélicos? Quem é o presbítero, a não ser um homem de unidade e de verdade, consciente dos próprios limites e, ao mesmo tempo, da extraordinária grandeza da vocação recebida, ou seja, a de concorrer para difundir o Reino de Deus até aos extremos confins da terra?
Sim! O sacerdote é um homem totalmente do Senhor, porque é o próprio Deus que o chama e o constitui no seu serviço apostólico. E precisamente porque é todo do Senhor, é todo dos homens e para os homens. Durante este Ano sacerdotal, que se prolongará até à próxima solenidade do Sacratíssimo Coração de Jesus, oremos por todos os sacerdotes. Multipliquem-se nas dioceses, nas paróquias e nas comunidades religiosas, especialmente nas monásticas, nas associações e nos movimentos, nas várias agregações pastorais presentes no mundo inteiro, iniciativas de oração e, de modo particular, de adoração eucarística, pela a santificação do clero e pelas vocações sacerdotais, respondendo ao convite de Jesus a pedir ao "Senhor da messe que envie trabalhadores para a sua messe" (Mt 9, 38).
A oração é o primeiro compromisso, o verdadeiro caminho de santificação dos sacerdotes e a alma da autêntica "pastoral vocacional". A escassez numérica de ordenações presbiterais em alguns países não deve apenas desanimar, mas deve impelir a multiplicar os espaços de silêncio e de escuta da Palavra, a aprimorar a direcção espiritual e o sacramento da confissão, para que a voz de Deus, que sempre continua a chamar e a confirmar, possa ser ouvida e prontamente seguida por numerosos jovens. Quem reza, não tem medo; quem ora, nunca está sozinho; quem reza, salva-se! Modelo de uma existência que se fez oração é, sem dúvida, São João Maria Vianney. Maria, Mãe da Igreja, ajude todos os sacerdotes a seguir o seu exemplo para que sejam, como ele, testemunhas de Cristo e apóstolos do Evangelho.
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