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“Maranata, vem Senhor Jesus”


Santissimo Nome de Jesus, monograma
A palavra advento evoca em sua raiz o verbo advir, que aponta para o futuro. O futuro em questão é, por um lado, um “futuro do passado”, pois leva a comunidade de fé a “reapresentar-se” ao acontecido em Belém há mais de dois mil anos atrás.
“É hora de despertar […] A noite já vai adiantada, o dia vem chegando” (Rm 13,11.12). 

A Igreja católica inicia a cada ano o ciclo litúrgico do Natal com as semanas do advento, que a preparam para o nascimento de Jesus. Em geral, as leituras propostas para as celebrações eucarísticas dessas quatro semanas são marcadas por um chamado a acolher “Aquele que vem em nome do Senhor”. Para isso, é necessária a conversão, não só do olhar, mas, sobretudo, do coração, e que se traduz em mudança de atitudes, do modo de se relacionar consigo, com os outros, com o mundo e com Deus.

Diferente da quaresma, que também é um tempo de preparação, mas para celebrar o mistério pascal, com ênfase na necessidade de conversão e penitência, no período do advento os fiéis são chamados a experimentar a alegria do mistério do Deus que se faz carne da carne humana, um “menino que nasce” de Maria, um “filho dado” à humanidade, que será chamado “Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz” (Is 9,6).


Boa parte da simbólica natalina, que inclusive é fortemente explorada pelo comércio, é profundamente marcada pelo universo europeu, que nessa época do ano caminha para iniciar a estação de inverno, feita de dias curtos, com pouco sol e luz, neve, que cobre grande parte da vegetação e torna a vida difícil. Nos trópicos, no qual se situa o Brasil, é o inverso que acontece. Os dias são longos, cheios de muita luz, a vida alcança seu apogeu, com o verão que aquece tudo e torna possível o crescimento das plantas. Mesmo assim, a maior parte das decorações natalinas recorrem à simbólica que esteve na origem das festas que a cristandade foi criando para celebrar a vinda do menino Deus.

Para além dessa aparente contradição, nas Igrejas, a liturgia católica insiste no convite a preparar-se para o advento do Filho de Deus, nascido pobrezinho em Belém. O comércio faz de tudo para oferecer “objetos de consumo” com motivos natalinos, levando muita gente a pensar que Natal, mais que uma festa religiosa, é o tempo para dar e receber presentes, acolher familiares e amigos, viajar para encontrar-se com pessoas queridas, alegrar-se porque mais um ano termina, e o Natal é uma espécie de antessala do ano que termina uma semana depois, com a chegada do “Ano Novo”. A Igreja do Brasil, em seu esforço por incutir no coração dos fiéis o sentido autêntico do Natal, propõe uma série de itinerários para os preparar à chegada do “Menino Jesus”.

Seja no mundo “profano”, seja na vida dos fiéis com alguma prática religiosa, preparar-se para o Natal pode parecer uma repetição do que é sempre o mesmo. Se Jesus já veio há mais de dois mil anos, para quê celebrar sua vinda como se ele estivesse vindo de novo? Não estaria a Igreja colaborando para alimentar o consumismo de empresas ávidas por explorar, com seus produtos, os desejos de possíveis consumidores? Qual o sentido de a cada ano fazer o caminho do advento e celebrar o Natal de Senhor?

A palavra advento evoca em sua raiz o verbo advir, que aponta para o futuro. O futuro em questão é, por um lado, um “futuro do passado”, pois leva a comunidade de fé a “reapresentar-se” ao acontecido em Belém há mais de dois mil anos atrás. É importante fazer a memória desse acontecimento do passado, preparando-se para celebrá-lo no presente? Certamente que sim, pois, como diz Angelus Silesius no Peregrino Querubínico, Cristo poderia ter nascido mil vezes em Belém, mas se não nascesse em cada um que nele crê, de nada adiantaria. Mas, o futuro do advento de Jesus não se reduz ao ato de fazer memória, mesmo que ela aponte para a adoração e a acolhida de um mistério central da fé cristã, que é a encarnação do Verbo eterno do Pai. Por isso, ao “futuro do passado” é preciso acrescentar o “futuro do futuro”, presente igualmente no que a Igreja é chamada a celebrar, preparando-se durante o advento. Que futuro é esse e que significado pode ter para a fé cristã e para os que a professam?

Não por acaso, o penúltimo versículo das Sagradas Escrituras termina com a invocação: “Vem, senhor Jesus!” (Ap 22,20). Em algumas bíblias, essa invocação é antecedida pelo termo aramaico “Maranata”, que no texto canônico do Apocalipse encontra-se em grego, e que quer dizer a mesma coisa. É interessante constatar isso e comparar com o que muitos estudiosos do Novo Testamento dizem sobre as primeiras expressões para falar da ressurreição de Jesus. Segundo o teólogo belga Edward Schillebeeckx, o termo “Maranata” recolhe a primeira confissão da fé na ressurreição. O termo é a junção da palavra Maran, que em aramaico é “Senhor”, e “ta”, que é “Vem”. O nascimento da fé cristã, portanto, já que a ressurreição é seu fundamento e origem, se dá como invocação a que o Senhor venha, ou seja, à sua segunda vinda. Essa expectativa da “segunda volta” do Cristo é central nos textos mais antigos do Novo Testamento, como a Primeira carta aos Tessalonicenses e a Primeira carta aos Coríntios. Em ambas Paulo pensa a vida cristã como que um contínuo se voltar para o futuro, que aponta para a chegada nos “novos céus e da nova terra”, nos quais paz e justiça florirão.

Iniciar, portanto, um novo ano litúrgico na Igreja não é repetir o mesmo a cada ano, mas deixar-se surpreender pela promessa dada na expectativa do “Vem, Senhor!”. Essa expectativa não diz respeito somente a uma segunda vinda de Cristo no final dos tempos, mas em cada instante da existência dos que o seguem. Num dos textos propostos pela liturgia do Ano A para o primeiro domingo do advento, Paulo diz que “é hora de despertar”, pois a “noite vai adiantada” e o “dia vem chegando” (Rm 13,11.12). A “hora” desse “despertar” para muitos que se dizem cristãos/ãs no Brasil pode ser a que é proposta no advento desse ano de 2022, que vai concluindo um período difícil e complexo da história do povo brasileiro. Trata-se de despertar da cegueira à qual muitos foram conduzidos, por discursos ideológicos, cheios de ódio, que veem no outro, não o diferente, que pode enriquecer, mesmo através da divergência, mas o inimigo ao qual se deve eliminar. Certamente esse tipo de sentimento e de ação do qual tantos participaram ao longo dos últimos anos, não tem nenhuma promessa do advento da paz trazida pelo “Príncipe da Paz”, na noite de Natal. Mais que “Maranata” é fechamento a acolher a promessa do novo que teima em se alojar no coração de quem crê em Jesus.

O movimento da memória, que convida a revisitar o caminho de Nazaré a Belém, necessita, portanto, do movimento da esperança, que, cansada da “noite que vai adiantada”, caminha decididamente para o “dia que vem chegando”. Que o tempo do advento em 2022 ajude os que sinceramente acreditam no mistério do Natal a de novo se deixarem surpreender pela imensa bondade e humildade divina, que, mais uma vez, quer adentrar na vida de cada pessoa que crê na imensidão de seu amor, capaz de tudo perdoar, insistente em convidar os que se dizem seus seguidores a possuírem os “mesmos sentimentos” que são os dele, traduzindo-os em uma vida que “faz novas todas as coisas”, pois ela também foi renovada pelo advento do Filho de Deus ao mundo.

Geraldo De Mori é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

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