Pular para o conteúdo principal

A origem da escrita – Parte I – A escrita cuneiforme

 O aparecimento da escritura foi um fator que impulsionou de forma surpreendente o desenvolvimento das diversas culturas e civilizações da Idade Antiga. Foi a partir de seu nascimento que o ser humano começou a deixar impressos os fatos que ocorriam ao seu redor.

                              

 Não é tão incomum encontrarmos pessoas que padecem de problemas de memória. Quando aprendem uma nova informação, facilmente se esquecem das anteriores…Ora, várias técnicas permitem que tal deficiência seja suprida: existe o método da repetição, ou o de estabelecer correlações na imaginação; mas nenhum desses métodos é tão utilizado quanto a escrita.

Há um adágio que diz “verba volant, scripta manent” – as palavras voam, mas os escritos permanecem. É por isso que o surgimento da escrita foi um fator de tão grande importância: ele permitiu que os acontecimentos históricos não desaparecessem da “memória” da humanidade.

O aparecimento da escritura marcou de forma surpreendente o desenvolvimento das diversas culturas e civilizações da Idade Antiga. Foi a partir de seu nascimento que a evolução das sociedades se acelerou, e o ser humano começou a deixar impressos os fatos que ocorriam ao seu redor.

Resta saber como esta arte surgiu e qual é a sua história.

Para conhecer o seu lento desabrochar, é necessário voltar um pouco no tempo, a uma era e a um mundo assaz diferentes do atual.

Nas origens da escrita, o sistema cuneiforme

Nas terras da Ásia Ocidental, localizadas na encruzilhada da Europa, Ásia e África – chamadas de Oriente Próximo – há uma região que ficou conhecida como Mesopotâmia, nome derivado de uma contração de dois vocábulos gregos (μέσω = entre e ποταμός = rios), por estar situada entre os rios Tigre e Eufrates (atual Iraque e leste da Síria). Aí foram encontrados, no quarto milênio antes de Cristo, por volta do ano 3.200 a. C., os primeiros escritos de que se tem notícia, e estavam todos em “cuneiforme”.

Este sistema de escrita foi, provavelmente, obra do Império Sumério que se localizava no sul da Mesopotâmia. Recebeu o nome de “cuneiforme” pelo fato de ser gravada com incisões triangulares que são marcadas por uma cunha. Pouco a pouco, os povos vizinhos perceberam a praticidade deste sistema de codificação do próprio idioma por meio de sinais cunhados em pedra ou barro cozido, e acabaram adotando-o e adaptando-o cada um para as suas línguas, de maneira que, já no segundo milênio a. C., o cuneiforme se havia propagado por todo o Oriente Próximo. O grande Império Assírio, Babilônico e o Persa utilizaram esta forma de escrever.

“Em suas origens, a escritura cuneiforme não era senão um sistema de escritura pictográfico, isto é, cada sinal era um desenho de um ou vários objetos concretos e representava uma palavra cujo significado era idêntico. No entanto, pela necessidade de dispor de um elevado número de sinais, o que o convertia em um sistema pouco ágil para seu uso prático, os escribas sumérios, pouco mais tarde, reduziram o número de sinais e o submeteram a certos limites por meio de vários recursos, entre eles – o mais importante – o de substituir valores ideográficos por outros fonéticos”.[1]

Um peregrino italiano chamado Pietro della Valle, foi um dos pioneiros a noticiar algo sobre esta enigmática escrita. Um explorador e médico alemão, Engelbert Kaempfer (1651-1716), foi o responsável por nomeá-la de “escrita cuneiforme”, sendo esta um dos principais expoentes de seu estudo. Deve-se também muito a Casten Niebuhr (1733-1815), que, estando em viagem ao Oriente Médio como explorador a serviço do rei da Dinamarca, trouxe ao Ocidente notícias confiáveis a respeito dos objetos daqueles antigos países. Mas a decifração desta escrita é, propriamente, um trabalho dos séculos XIX e XX.

Hamurabi e seu importante código de leis

Entre os escritos mais famosos compostos em escrita cuneiforme se encontra o grande código de Hamurabi.[2] Por mais que os sumérios tivessem já seu conjunto de leis, não as possuíam organizadamente. Isto fez Hamurabi, colecionando os textos legislativos e adaptando-os à sua era. Todo este trabalho durou anos a fio, e ficou concluído somente ao cabo de seu reinado (por volta de 1750 a. C.). Gravado numa pedra de diorito, que media aproximadamente 2,25 m de altura por 55 cm de largura, e constituído de 282 parágrafos, este código aplica em muitas de suas sentenças a lei de Talião, popularmente conhecida pela frase “olho por olho e dente por dente”.

O exemplo mais patente é encontrado no §196: “Se um homem arrancar o olho de outro homem, o olho do primeiro deverá ser arrancado”. Punia-se também o crime de furto com a pena de morte, se o roubo fosse um objeto do palácio real ou do templo (§6). Conforme as circunstâncias, o que tentou roubar e não obteve êxito recebia a mesma pena de morte de acordo com o §21: “quem abrir uma brecha na parede de uma casa, deverá ser morto e sepultado diante da brecha”.

Sem dúvida, são métodos rudes, primitivos e cruéis, sobretudo por estarmos acostumados à uma perspectiva cristã de vida. Mas é preciso lembrar que, na antiguidade, não era incomum as pessoas serem assim tratadas. Na própria Lei Mosaica, se encontram muitos castigos que se assemelham a estes, promulgados por Hamurabi.[3] Isto era assim necessário por causa da dureza dos corações dos homens daquela época que, com frequência, só seguiam o reto caminho quando eram guiados pelo temor.

Também figuram, entre o número dos escritos cuneiformes famosos, outros exemplos como a “Epopeia de Gilgamesh”, uma das primeiras obras literárias de que se tem conhecimento, e a grande pedra do Beishtún – inscrição realizada sobre uma muralha na província de Kermanshah, no noroeste do Irã, e que é uma proclamação dos feitos de Dario I da Pérsia.

Por João Pedro Serafim

https://gaudiumpress.org/content/a-origem-da-escrita-parte-i-a-escrita-cuneiforme/


[1] NOAH KRAMER, Samuel. La historia empieza en Sumer. Madrid: Alianza editorial, 2017, p.373 (trad. pessoal).

[2] Hamurabi foi o sexto soberano da primeira dinastia do império da Babilônia

[3] Veja-se, por exemplo: Ex 21, 1-25; Lv 20, 1-15; Nm 1, 51; Dt 21, 18-21.


Comentários

Pensemos...

ORAÇÃO DE EXORCISMO DO PAPA LEÃO XIII

ANTES DE INICIAR A ORAÇÃO 1.Todo aquele que recita este exorcismo, pondo em fuga o demônio, pode preservar de grandes desgraças a si mesmo, a família e a sociedade. Privadamente, pode ser rezado por todos os simples fiéis. 2. Aconselha-se rezá-lo em casos de discórdia de família, de partidos, de cidades; nas casas dos ateus, dos blasfemadores, para sua conversão; onde se praticou o ocultismo; para obter uma boa solução nos negócios; para a escolha do próprio estado de vida; pela conservação da fé na família ou paróquia; pela santificação de si mesmo e dos entes queridos. 3. É poderoso nos casos de intempéries, de doenças, para obter uma boa colheita, para destruição dos insetos nocivos aos campos, etc. 4. Satanás é um cão furioso que ronda em volta de nós para nos devorar, como nos escreve Pedro, em sua primeira carta: “Sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar” (5,8). 5. O Pa

Maria busca um lar

Maria é a Mãe do Senhor, a Mãe de Deus. Esta é uma verdade de fé. Isabel, diante de Maria já grávida do Filho de Deus, exclamou: Donde me vem que a Mãe do meu Senhor me visite? (Lc 1,43). Ser Mãe do Filho de Deus feito homem para que os homens pudessem ser filhos de Deus, eis a grandeza de Maria! O mistério escondido do amor de Deus tornou-se visível no Filho de Maria. Sem Maria, não teríamos Jesus Cristo, a última palavra do Pai, nem a Redenção operada por Ele. Por Maria, o Pai deu tudo e disse tudo. O Tudo é o Jesus de Maria. Este é meu Filho amado: escutai-o! A vida de Maria foi uma longa caminhada e uma longa experiência de fé. Meditava e conservava no coração o que via e o que ouvia acerca do seu Filho e de si mesma. Maria foi a porta e a casa da primeira morada do Filho de Deus na terra. Em tudo semelhante ao homem, sua chegada foi velada e desapercebida, mas naquele corpo escondia-se o maior mistério de amor. O primeiro passo, em seu caminho de vinda, foi dado com o auxílio

Irmã Dulce será Beatificada.

SALVADOR, quarta-feira, 27 de outubro de 2010 ( ZENIT.org ) – O arcebispo de Salvador (nordeste do Brasil), cardeal Geraldo Majella Agnelo, anunciou na manhã desta quarta-feira que a Irmã Dulce será beatificada em breve. Segundo informa a arquidiocese, o pronunciamento foi feito na sede das Obras Sociais Irmã Dulce, em Salvador. O cardeal informou que até o fim do ano encerra o processo e será conhecida a data da cerimônia de beatificação. De acordo com o arcebispo, uma comissão científica da Santa Sé aprovou esta semana um milagre atribuído à religiosa, fato decisivo no processo de beatificação. Segundo Dom Geraldo, a religiosa é exemplo para os cristãos e a sua história de vida é o que justifica a beatificação e o processo de canonização. “Todo santo é um exemplo de Cristo, como foi o caso dela [Irmã Dulce]; aquela dedicação diuturna durante toda a vida aos pobres e sofredores.” A causa da beatificação da religiosa brasileira foi iniciada em janeiro do ano 2000 pelo pró

A SANTA IGREJA CATÓLICA APOSTOLICA

A Igreja Católica, chamada também de Igreja Católica Romana e Igreja Católica Apostólica Romana , é uma Igreja cristã colocada sob a autoridade suprema do Papa, Bispo de Roma e sucessor do apóstolo Pedro, sendo considerada pelos católicos como o autêntico representante de Deus na Terra e por isso o verdadeiro Chefe da Igreja Universal (Igreja Cristã ou união de todos os cristãos). Seu objectivo é a conversão ao ensinamento e à pessoa de Jesus Cristo em vista do Reino de Deus. Para este fim, ela administra os sacramentos e prega o Evangelho de Jesus Cristo. Ela não pensa como uma Igreja entre outras mas como a Igreja estabelecida por Deus para salvar todos os homens. Esta ideia é visível logo no seu nome: o termo "católico" significa universal em grego. Ela elaborou sua doutrina ao longo dos concílios a partir da Bíblia, comentados pelos Pais e pelos doutores da Igreja. Ela propõe uma vida espiritual e uma regra de vida aos seus fiéis inspirada no Evangelho e definidas de man

O que quer dizer “Completo em minha carne o que falta às tribulações de Cristo”?

Os dizeres do Apóstolo se explicam sem dificuldade, desde que se tenham em vista os seguintes tópicos:   Origem do texto São Paulo estava detido no cárcere em Roma, durante o biênio de 61 a 63. Sofria naturalmente com isto, pois, cheio de ardor pela salvação das almas, desejaria continuar a percorrer o mundo e pregar, como havia feito até então. Prisioneiro, São Paulo mantinha, não obstante, vivo intercâmbio com os fiéis das mais distantes regiões, procurando dar a todos uma palavra de orientação oportuna. Foi o que o levou a escrever aos cristãos de Colossas (Ásia menor) uma carta, na qual se encontra o trecho que nos interessa. Aproximemo-nos, pois, de tal passagem. No inicio da missiva, São Paulo se refere ao Evangelho e à sua vocação de ministro do Evangelho: aludindo a isso, verifica que toda a sua vida, seus trabalhos, sua liberdade e seu cativeiro, estão consagrados ao ministério apostólico; em consequência, nada lhe pode parecer inútil ou vão, nem mes

Dom Luiz Soares Vieira recebe a Medalha de Ouro Cidade de Manaus

A Câmara Municipal de Manaus realizou sessão solene, 16/12, às 10h (horário local) para entregar a Medalha de Ouro Cidade de Manaus ao arcebispo metropolitano de Manaus e vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Luiz Soares Vieira, pelo trabalho realizado durante quase duas décadas a frente da arquidiocese.A medalha é a mais alta comenda concedida pelo Poder Legislativo Municipal a um cidadão. A homenagem deve-se a dedicação de dom Luiz ao Estado, realizando trabalhos missionários e levando a palavra de Deus a toda a população. O arcebispo de Manaus nasceu na cidade de Conchas (SP). Cursou Filosofia no Seminário Central do Ipiranga, de São Paulo, e Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma. Foi ordenado aos 22 anos, antes da idade permitida, precisando, portanto, de uma licença especial do Papa para poder exercer o Ministério. Completou os estudos em Filosofia na Universidade de Mogi das Cruzes (SP), trabalho

As Sagradas Imagens são Idolatria? São João Damasceno adversus Calvino

São João Damasceno (676-749 d.C) defendeu a prática cristã tradicional da exibição e veneração das imagens e seus ensinamentos foram afirmados no Sétimo Concílio Ecumênico (Nicéia, 787 d.C). Quase oito séculos mais tarde, este debate foi reacendido pela Reforma Protestante, com muitos dos reformadores (com a notável exceção de Martinho Lutero) abraçando iconoclastia radical, a ponto de destruírem imagens ativamente.  João Calvino (1509-1564) incluiu um capítulo sobre as imagens em seu trabalho histórico as “ Institutas da Religião Cristã ”, onde ele expôs uma forte posição iconoclasta, seguido de um capítulo sobre a veneração de santos. São estes capítulos que serão analisados e criticados neste ensaio, em contraposição à sabedoria patrística de São João Damasceno. Todas as citações bíblicas serão tomadas a partir da versão da Bíblia João Ferreira de Almeida. O PRIMEIRO E SEGUNDO MANDAMENTO (ÊXODO 20, 2-6) “ [1º] Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tire