Em sintonia com a nova evangelização
suscitada por Bento XVI, parece importante refletir sobre o papel das
homilias na Missa dominical ou em outras festas e o modo de melhorá-las.
Milhões de discípulos de Cristo escutam-nas em todo o mundo. Muitos
fiéis se interrogam acerca da sua qualidade, especialmente enquanto ao
seu conteúdo: às vezes ouvem temas distantes das leituras da Santa ou
opiniões pessoais do celebrante; em outras ocasiões recebem quase uma
simples repetição dos textos proclamados. Com freqüência alguns fiéis –
fora da Missa – trocam suas impressões ou críticas de modos mais ou
menos adequados sobre os defeitos que advertem.
Mas, às vezes, algumas falhas na
pregação escutada nem sempre são fáceis de detectar. Por exemplo, alguém
pode ouvir uma homilia muito bonita em uma tarde de Sexta-Feira Santa
comentando as partes do rito e apresentando a morte de Cristo como um
acompanhamento, a cada um de nós, nos sofrimentos da vida e
especialmente na morte. No silêncio da meditação sucessiva à homilia,
alguém se pergunta: bem, o Senhor me acompanha e consola não só com
palavras, mas com obras, mas me salva, me redime e me outorga uma vida
nova dirigida à Vida e à Ressurreição depois da minha morte? Ouvi algo
sobre Jesus morto como vítima propiciatória pelos pecados de todos os
homens? Os exemplos poderiam se multiplicar. Por isso, em sua recente
Exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini [I], Bento XVI menciona a “atenção particular que, no Sínodo, foi dispensada ao tema da homilia”[II]
e também recorda como na Exortação posterior ao Sínodo imediatamente
anterior, dedicada ao sacramento da Eucaristia, havia indicado “a
necessidade de melhorar a qualidade da homilia”[III]. A preocupação do Magistério[IV] pelas homilias não é nova, porém agora se sublinha a necessidade de contar com homilias de qualidade.
A homilia, parte da celebração eucarística
Façamos uma releitura com calma do ensinamento do Romano Pontífice no n. 59 da Verbum Domini: “Já na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum caritatis,
recordei como, ‘pensando na importância da palavra de Deus, surge a
necessidade de melhorar a qualidade da homilia; de fato, <>, cuja função é
favorecer uma compreensão e eficácia mais ampla da Palavra de Deus na
vida dos fiéis’”.
A homilia não é uma ocasião para
dirigir-se aos fiéis e comunicá-los algo distinto dos textos sagrados
lidos. É “parte da ação litúrgica”, não um acréscimo opcional. Sua
finalidade é “favorecer uma compreensão e eficácia mais ampla da Palavra
de Deus na vida dos fiéis”.
A Santa Missa é ação de Deus em sua
Trindade de Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. É ação de Cristo – o
único Sacerdote -, por meio de instrumentos humanos, os sacerdotes. Eles
emprestam seu próprio ser – palavras, gestos, inteligência, coração –
para atuar in Persona Christi Capitis, em nome de Jesus Cristo
Cabeça da Igreja, não em seu nome. Trata-se portanto de ajudar os fiéis –
também o mesmo celebrante – a compreender, sob a ação do Espírito
Santo, a Palavra de Deus e que esta seja cada vez mais eficaz em suas
vidas.
Atualizar a Palavra de Deus dentro da celebração eucarística
“A homilia – segue dizendo o Santo Padre
– constitui uma atualização da mensagem da Sagrada Escritura, de tal
modo que os fiéis sejam levados a descobrir a presença e a eficácia da
Palavra de Deus no momento atual da sua vida”[V].
A situação fundamental dos homens e
mulheres de hoje com respeito a Deus segue sendo e será a mesma: somos
obras sua, criados a sua imagem e semelhança, filhas e filhos muito
queridos de Deus. No entanto as circunstâncias atuais da vida humana,
especialmente em relação com os demais e com o mundo – o trabalho e
tantos aspectos da cultura -, foram mudando. Por isso é necessária essa
“atualização da mensagem da Sagrada Escritura”. A todos nós faz falta
“descobrir a presença e a eficácia da Palavra de Deus no momento atual
da sua vida”. Convém facilitar a escuta da Palavra de Deus, como
realmente é: isto é, como Palavra eterna, sempre atual, sempre jovem,
dirigida a cada um de nós: a mim, em primeira pessoa, e no peculiar
momento de minha biografia hoje.
Quando estamos imersos em um tipo de
trabalho com horários exigentes e vivemos rodeados de uma cultura
midiática que não é fácil decifrar, a simples leitura da Palavra de Deus
poderia incidir na própria existência e tornar-se como um piso superior
sem escada de comunicação com a planta sob a casa de Deus que é cada
Cristão.
A homilia não é uma aula ou uma
conferência pronunciada em uma sala ou inclusive em um templo fora da
Missa ou de outra ação litúrgica. Forma parte de uma ação divina, da
celebração da Eucaristia, na qual se faz novamente presente o único
Sacrifício de Jesus no Calvário. Por isso, a homilia tem um caráter
peculiar, ao formar parte de um todo mais amplo. Escreve o Papa: “deve
levar à compreensão do mistério que se celebra; convidar para a missão,
preparando a assembléia para a profissão de fé, a oração universal e a
liturgia eucarística”[VI
].
Isto é, vamos renovar a nossa fé na Trindade, recitado o Credo, pedir
pelas necessidade de todos e entrar na parte da liturgia eucarística com
o oferecimento de tudo o que é nosso, para que o Senhor o una ao seu
fazer presente novamente o Sacrifício da Cruz, seguido de sua
Ressurreição e de sua Ascensão junto ao Pai.
A orientação da homilia é esta:
prepararmo-nos e introduzirmos-nos nesta ação divina oferecendo-nos
também a nós com Cristo. Esta nossa inserção adquire, portanto, acentos
distintos segundo os textos propostos pela Igreja para cada celebração
da Missa e segundo as circunstâncias dos participantes. A homilia haverá
de facilitar deixarmos-nos tomar por Cristo e empaparmos-nos com seu
Sangue em suas mãos chagadas para lançarmos como boa semente de trigo ao
campo do nosso mundo, da família, do trabalho diário, da participação
ativa da vida pública[VII].
Cristo, centro da homilia
O Romano Pontífice desenvolve algumas
consequências do papel singular da homilia: “aqueles que, por ministério
específico, estão incumbidos da pregação tenham verdadeiramente a peito
esta tarefa. Devem-se evitar tanto homilias genéricas e abstratas que
ocultam a simplicidade da Palavra de Deus, como inúteis divagações que
ameaçam atrair a atenção mais para o pregador do que para o coração da
mensagem evangélica. Deve resultar claramente aos fies que aquilo que o
pregador tem a peito é mostrar Cristo, que deve estar no centro de cada
homilia”. O sacerdote, enamorado de Cristo, prega com gosto, com
alegria, porque Jesus atrai todas as almas e não deixa indiferente a
nada.
Cristo é o centro de toda a homilia. O é
como conteúdo, pois se trata de “mostrar a Cristo”. Para isso contamos
uns relatos inspirados pelo Espírito Santo, narrações humana e divinas
ao mesmo tempo: os quatro Evangelhos, acompanhados de outros escritos
também da Palavra de Deus. Cristo é o conteúdo, é o Caminho, a Verdade e
a Vida, a Luz que ilumina a todos os homens. Em sua maioria, pertencem
ao gênero narrativo tão adequado às circunstâncias atuais e às de todos
os tempos. As parábolas interpelam, movem a pensar. Em ocasiões deixam
ao ouvinte a tarefa de tirar a conclusão.
Mas também a forma de mostrar o amável
rosto de Jesus Cristo tem – então, agora e sempre – uma pauta dada por
Deus mesmo e uma luz e um fogo do Espírito Santo na inteligência e no
coração do pregador e dos demais fiéis participantes da Missa.
Segundo Bento XVI, “deve resultar
claramente aos fies que aquilo que o pregador tem a peito é mostrar
Cristo, que deve estar no centro de cada homilia”.[VIII]. Como é natural, isso leva consigo a dar mais importância aos parágrafos do Evangelho lidos na Missa que aos outros textos.
Os fiéis percebem o amor do celebrante a
Cristo no tom, nas expressões, na alegria, na sensibilidade, no
entusiasmo. Daí deriva o tipo peculiar de preparação requerida para a
homilia: um estudo meditativo, intimamente unido à oração pessoal. “Por
isso, é preciso que os pregadores tenham familiaridade e contato assíduo
com o texto sagrado; preparem-se para a homilia na meditação e na
oração, a fim de pregarem com convicção e paixão”[IX]. Requer-se ter uma boa preparação teológica, mas nunca separada da meditação.
Como é lógico, os fiéis também olham o comportamento do pastor. Recordando a São Jerônimo[X],
o Romano Pontífice recorda que a pregação será acompanhada do
testemunho da própria vida: “No sacerdote de Cristo, devem estar de
acordo a mente e a palavra”[XI].
Três perguntas para a preparação da homilia
Bento XVI faz suas as sugestões do
Sínodo dos Bispos de 2008 de que se tenham presentes as seguintes
perguntas ao preparar a homilia: O que dizem as leituras proclamadas? O
que dizem a mim pessoalmente? O que devo dizer à comunidade, tendo em
conta sua situação concreta?[XII]. Estas três perguntas são uma grande ajuda para melhorar as homilias.
1. O que dizem as leituras proclamadas?
Antes de tudo, é necessário conhecer o
que dizem as leituras. Normalmente o celebrante necessita atualizar sua
compreensão do texto e recorrer aos instrumentos oportunos. Para isso
serve-se dos textos paralelos dos evangelhos, e das referências
implícitas ou explícitas das passagens do Antigo Testamento. Como é
lógico, esta leitura se faz à luz da Tradição e com a ajuda do
Magistério precedente e atual, organicamente sintetizado no Catecismo da
Igreja Católica. Todos os fiéis, sacerdotes e leigos, agradecemos a luz
irradiada pelo livro de Bento XVI Jesus de Nazaré, por suas
homilias, assim como pelas de seu predecessor João Paulo II e pelas do
Ordinário da própria circunscrição eclesiástica.
Não poucas pessoas afirmam que Bento XVI
passará para a história pela qualidade e estilo de suas homilias, que
recordam o estilo dos padres da Igreja[XIII].
Mas ao que se refere ao Evangelho, é
muito útil voltar a considerar algum comentário à passagem de cada Missa
em uma das numerosas obras sobre a vida de Jesus: R. Guardini, F. M.
William, K. Adam, G. Papini, D. Rops, etc. Citamos também, a modo de
exemplo, a Justo Pérez de Urbel, o Emmanuel de Carles Cardo, ao Abade G. Ricciotti e outros mais recentes.
Como é óbvio, toda esta preparação é
prévia. Por isso fora dito com certo humor: a homilia requer saber a
exegese própria da teologia bíblica, mas não é o momento de dar uma
lição de exegese.
2. O que dizem a mim pessoalmente?
É muito importante esta segunda pergunta
sugerida pelo Sínodo ao celebrante de sua tarefa de atualizar os textos
lidos mediante a homilia. Comenta o Papa, no já citado nº 59 da Verbum Domini: “O pregador deve deixar-se interpelar primeiro pela Palavra de Deus que anuncia”[XIV],
porque como diz Santo Agostinho: “seguramente fica sem fruto aquele que
prega exteriormente a Palavra de Deus sem a escutar no seu íntimo”[XV].
É conhecida a descrição dos três graus
do crescimento intelectual e pedagógico do professor: o jovem só ensina
mais do que sabe, pois com freqüência transmite ideias lidas pouco
antes, mas não muito assimiladas; o professor mais maduro diz o que
realmente sabe; o que chega a ser mestre não expressa todos os
seus conhecimentos: ensina somente o que convém aos seus ouvintes. Com
isso se põe de relevo o papel da “interiorização” dos conhecimentos e de
sua inserção existencial dentro da própria vida.
3. O que devo dizer a comunidade, tendo em conta sua situação concreta?
Vivendo no trato habitual com Jesus e
esforçando-se para ser outro Cristo, o pregador pensa em seus irmãos.
Fala sobre eles com Jesus Cristo, de suas necessidades espirituais e
materiais. Pede luzes em sua oração pessoal: Senhor, o que vou
dizer-lhes no domingo? O que queres que diga?
Em um clima de decadência cultural,
todos necessitamos ouvir o tom animador, afetuoso, positivo de Jesus,
que enche de luz, de alegria, de esperança. O celebrante da Missa busca
também transmitir outra verdade fundamental sublinhada na primeira carta
de São João: “Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus,
mas foi ele quem nos amou e enviou-nos seu Filho como vítima de expiação
pelos nossos pecados”[XVI].
Neste clima de sentir-se amados por
Deus, de saber-se filhos de Deus, é mais fácil desejar conhecer melhor a
doutrina, as palavras de vida ensinadas por Jesus e transmitidas na
Igreja. É mais acessível o desejo operativo de formar-se mais, manter-se
firmes na fé em um clima com freqüência neopagão, reconhecer os
próprios pecados sem desanimar-se e sem ocultá-los. Nas circunstâncias
atuais, todos necessitamos de uma abundância de sã doutrina. Daqui que o
santo padre recomende também os breves comentários nas missas feriais:
“e mesmo durante a semana nas Missas cum populo, quando
possível, não se deixe de oferecer breves reflexões, apropriadas à
situação, para ajudar os fiéis a acolherem e tornarem fecunda a Palavra
escutada”[XVII].
Em todos os casos é necessário
prepará-las bem, com estudo e oração, sem improvisar. Assim é possível
pensar com precisão, clareza, de modo atraente o que será dito e expô-lo
em um tempo razoável. Em geral é importante evitar as homilias longas,
que podem refletir pouca preparação, como daquele autor de um texto de
três mil páginas que se desculpou com o editor: saiu muito longo pois
tive pouco tempo.
A amizade com Jesus, da qual tudo depende.
Este ponto capital nunca pode ser dado
como pressuposto. A meu modo de ver, aqui está em jogo a amizade com
Jesus, mencionada muitas vezes por Bento XVI. No prólogo do primeiro
volume de Jesus de Nazaré alude a imprecisão bastante estendida
da consciência geral da cristandade de que saberíamos poucas coisas
certas sobre Jesus. Só a fé em sua divindade teria plasmado
posteriormente sua imagem. “Semelhante situação é dramática para a fé,
pois deixa incerto seu autêntico ponto de referência: a íntima amizade
com Jesus, da qual tudo depende”XVIII].
Esta expressão “a íntima amizade com
Jesus, da qual tudo depende” é uma das chaves decisivas para entender
seu pontificado que concede tanta importância ao trato pessoal com Jesus
na Palavra, na Eucaristia, e em toda a liturgia.
Não se conhece a Jesus verdadeiramente,
se não se acompanha-o diariamente junto aos Doze, os setenta e dois
discípulos, as mulheres que ajudam ao Mestre e tantos outros. A nova
evangelização nasce de um renovado trato de amizade com Jesus, que não é
uma figura do passado. Podemos falar d’Ele com o entusiasmo e a alegria
do apóstolo João em sua primeira carta: “O que era desde o princípio, o
que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos e o que
nossas mãos apalparam, do Verbo da vida – porque a Vida manifestou-se:
nós a vimos e dela vos damos testemunho e vos anunciamos esta Vida
eterna, que estava voltada para o Pai que nos apareceu – o que vimos e
ouvimos vo-lo anunciamos para que estejais também em comunhão conosco. E
a nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo. E isto vos
escrevemos para que a nossa alegria seja completa”[XIX]. Veja-se por exemplo como sente a contemporaneidade com Cristo São Cirilo de Jerusalém em suas catequeses (348-350):
“Qualquer ação de Cristo é motivo de
glória para a Igreja universal; mas o máximo motivo de glória é a cruz.
Assim o expressava com precisão Paulo, que tão bem sabia disto: O que é
meu, Deus me livre de gloriar-me senão na Cruz de Cristo.
“Foi, certamente, digno de admiração o
fato de que o cego de nascimento recobrara a vista em Siloé; mas, em que
beneficiou isto a todos os cegos do mundo? Foi algo grande e
sobrenatural a ressurreição de Lázaro, quatro dias depois de morto; mas
este benefício afetou unicamente a ele, pois, em que beneficiou aos que
em todo mundo estavam mortos pelo pecado? Foi coisa admirável o que
cinco pães, como uma fonte inextinguível, bastaram para alimentar a
cinco mil homens; mas, em que beneficiou aos que em todo o mundo se
encontravam atormentados pela fome da ignorância? Foi maravilhoso o fato
de que fora libertada aquela mulher a quem Satanás teria ligada pela
enfermidade desde os dezoito anos; mas, de que serviu à nós, que estamos
ligados com as cadeias de nossos pecados? Pelo contrário, o triunfo da
cruz iluminou a todos os que padeciam da cegueira do pecado, livrou a
todos nós das ataduras do pecado, redimiu a todos os homens”[XX].
Cristo não se encontra no passado: vive e
atua agora no século XXI, como no século IV. Inclusive em certo modo de
maneira mais universal agora que durante seus anos de vida terrena.
Os santos, raios de luz da Palavra de Deus
A Verbum Domini menciona com alegria o papel dos santos. “A interpretação da Sagrada Escritura ficaria incompleta se não se ouvisse também quem viveu verdadeiramente a Palavra de Deus, ou seja, os Santos. De fato, “viva lectio est vita bonorum”.
Realmente a interpretação mais profunda da Escritura provém
precisamente daqueles que se deixaram plasmar pela Palavra de Deus,
através da sua escuta, leitura e meditação assídua”[XXI].
O papa não pensa somente nos santos de
muitos séculos atrás mas naqueles de épocas mais recentes e inclusive
nossos contemporâneos: “Cada Santo constitui uma espécie de raio de luz
que brota da Palavra de Deus: assim o vemos também em Santo Inácio de
Loyola na sua busca da verdade e no discernimento espiritual; em São
João Bosco na sua paixão pela educação dos jovens; em São João Maria
Vianney na sua consciência de grandeza do sacerdócio como dom e dever;
em São Pio de Pietrelcina no seu ser instrumento da misericórdia divina;
em São Josemaria Escrivá na sua pregação sobre a vocação universal à
santidade; na Beata Teres de Calcutá missionária da caridade de Deus
pelos últimos; e nos mártires do nazismo e comunismo representados, os
primeiros, por Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein), monja
carmelita e os segundos pelo Beato Aloísio Stepinac, Cardeal Arcebispo
de Zagrábia”[XII].
Com a gratidão a Deus, recordo a
pregação ouvida de São Josemaria, quem desde muito jovem se meteu na
vida de Jesus “como um personagem a mais” e assim aconselhou como um
caminho acessível a todos para alcançar a santidade. “Para nos
aproximarmos do Senhor através das páginas do Santo Evangelho, recomendo
sempre que nos esforcemos por meter-nos de tal modo na cena, que dela
participemos como um personagem a mais. Sei de tantas almas normais e
comuns que o fazem! Assim chegaremos a ensimesmar-nos, como Maria, que
permanecia pendente das palavras de Jesus; ou nos atreveremos, como
Marta, a manifestar-Lhe sinceramente as nossas inquietações, até as mais
insignificantes[XIII].
Dois instrumentos solicitados por Bento XVI
Disporemos dentro de
algum tempo de um diretório homilético: “Pregar de modo adequado
referindo-se ao Lecionário é verdadeiramente uma arte que deve ser
cultivada. Por isso, dando continuidade à solicitação feita no Sínodo
anterior, peço às autoridades competentes que, correlativamente ao
Compêndio Eucarístico, se pense também em instrumentos e subsídios
adequados para ajudar os ministros a desempenhar da melhor forma
possível a sua tarefa, como, por exemplo um Diretório sobre a homilia,
de modo que os pregadores possam encontrar nele uma ajuda útil a fim de
se preparem no exercício do ministério[XIV].
Ademais, no Motu próprio Ubicumque et semper
de Bento XVI do dia 12 de outubro de 2010, constituindo o novo
Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, se indica
como uma de suas tarefas: “promover o uso do Catecismo da Igreja Católica,
como formulação essencial e completa do conteúdo da fé para os homens
de nosso tempo” (art. 3, nº 5). Com efeito, nesta grande obra do
pontificado de João Paulo II todos os fiéis encontram uma formulação
completa da fé para hoje, na qual o Concílio Vaticano II se apresenta em
toda sua beleza de inserção na corrente vital e doutrinal do Magistério
ao longo dos séculos. Nele encontra o pregador uma ajuda para meditar
os textos litúrgicos. Vale a pena recordar também a grande ajuda do Compêndio do Catecismo da Igreja Católica,
como um instrumento mais acessível para o seu estudo e sua fixação na
memória. No ciclo trienal do lecionário para a Missa dominical e
solenidades permite-se considerar todos os aspectos do mistério de
Cristo. Mas desde antigamente tem sido um bom complemento o estudo
detalhado da profissão de fé, em seu desenvolvimento homogêneo ao longo
dos séculos. Por isso, o estudo individual ou em grupo do Catecismo da Igreja Católica
contribui a conhecer melhor em sua beleza e harmonia todo o conjunto
orgânico da Revelação divina. Essas lições se situam não à margem, mas
em conexão com a homilia litúrgica. Sem dúvida um uso mais assíduo do
Catecismo contribuirá para uma pregação de qualidade em vista da tarefa
árdua e apaixonante da nova evangelização.
Luis Clavell
Professor de Filosofia e ex-Reitor da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, Roma
Presidente da Pontifícia Academia Santo Tomás de Aquino.
Professor de Filosofia e ex-Reitor da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, Roma
Presidente da Pontifícia Academia Santo Tomás de Aquino.
Homilias de qualidade para a nova evangelização
1. Significado da Tradição em geral:
“Tradição” é algo muito mal visto na cultura, especialmente a partir
do ano 1968. Nessa época surgia um forte clamor juvenil por se romper
com tudo o que é “tradicional”, todos os valores antigos e obsoletos.
Na verdade, se fizermos uma analise serena do homem, da sua vida
social, do seu comportamento em geral, veremos que o ser humano é um ser
de tradição. O homem sempre rompe os limites do imediato, está sempre
ligado a seu passado e com projetos para o futuro. O homem sempre recebe
tradições dos antigos, cria algumas, elimina outras e transmite a
maioria para os jovens. A tradição se funda na mortalidade e nas
limitações humanas, na necessidade de organizar e transmitir
experiências, conhecimentos, modos de ser adquiridos. A tradição é um
conceito dinâmico que representa o centro de toda cultura.
Todas comunidades humanas criam tradições, que condicionam e
determinam a mentalidade e o comportamento da comunidade na qual elas
estão inseridas. A tradição é a memória dos povos, conserva o passado e
proporciona aos homens de certa comunidade uma determinada identidade.
“A tradição é a capacidade dos grupos humanos de transmitir a cultura
criada pelo conjunto dos indivíduos que os compõem, de multiplicá-la,
enriquecê-la e conservá-la de geração em geração.[1]“
O centro da tradição de cada cultura é a linguagem.
2. Crítica e reabilitação da tradição:
A cultura ocidental criticou várias vezes a idéia da tradição,
especialmente a partir do século XVI. As causas desse fenômeno são tanto
filosóficas como religiosas.
A Reforma Protestante tende a rejeitar a tradição por motivos de
“pureza evangélica.” O homem se une imediatamente a Deus e todo elemento
humano parece uma espécie de contaminação, uma interferência ilegítima
na relação do crente e Deus.
Algo parecido foi afirmado no âmbito da filosofia racionalista do
século XVII. Premissa primeira dessa filosofia é que a verdade não se
apóia em nada distinto do próprio pensamento. O “eu” passa a ser o
fundamento de todo pensamento científico e não mais os conteúdos
recebidos da história. Nessa época aparece a função mediadora do mundo
real, dos demais homens, da autoridade e da tradição. O mundo real passa
a ser considerado mundo dos sentidos, que podem nos enganar
(Descartes). O homem passa a ser considerado “lobo para o homem”
(Rousseau); a autoridade passa a ser identificada com autoritarismo; e a
tradição passa a ser algo obsoleto.
A Ilustração do século XVII considera a autoridade e a tradição como
obstáculos que impedem o crescimento da “razão pura”, senhora de si. “Aude Sapere!” exclamará Kant, como um grito de ordem aos homens cultos para se libertar das tradições religiosas e das autoridades.
Alguns autores representantes do Romanticismo do século XIX, críticos
da Ilustração, reabilitaram o conceito de tradição. Esses autores
(Herder, Schlegel, Novalis, Gadamer etc.) insistiam na idéia de que “o
que foi consagrado pela tradição e pelo passado contém uma autoridade
anônima e que nosso ser histórico e finito está determinado pelo que a
autoridade o transmitiu.[2]”
3. O desenvolvimento da Teologia da Tradição na Igreja.
A Tradição cristã não é simplesmente uma variação religiosa de um
fenômeno cultural humano. A Tradição cristã se fundamenta em Deus, que
se revelou em Israel e em Jesus Cristo, para a salvação de todos os
homens.
Podemos definir, pois a Tradição como “o conjunto de conteúdos
doutrinais e espirituais que procedem diretamente de Jesus e dos
Apóstolos, que se manifestam na Escritura, e se conservam e se
desenvolvem historicamente no seio da Igreja.[3]”
No Novo Testamento Jesus Cristo aparece condenando algumas tradições
antigas, em Mt. 15. Alguns leitores desatentos ou mal-intencionado da
Bíblia consideram esse texto como a condenação absoluta que Jesus Cristo
faz das tradições. É evidente para qualquer um leitor inteligente que
Jesus nesse texto está condenando algumas tradições judaicas,
desvinculadas à caridade. Quando a Igreja Católica afirma o valor da
Tradição, não está, pois, reabilitando as tradições farisaicas,
condenadas por Cristo. A Igreja Católica defende a Tradição que começa
com Cristo, quer dizer, tudo o que Cristo fez e ensinou aos Apóstolos.
No Novo Testamento há muitos textos que os Apóstolos exortam os
cristãos a guardar as tradições recebidas deles (que por sua vez,
receberam de Cristo). Podemos citar alguns exemplos: 1Cor 11,23; 18,3:
“o que vos transmito é o que eu mesmo recebi do Senhor”. As Cartas
Pastorais insistem na necessidade de conservar fielmente o “depósito da
fé” e a Tradição recebida dos Apóstolos. Podemos ver isso em: 1Tim 1,18;
2 Tim 1,13-14; 2,2; 2 Pe 3,2.
Quando a Igreja teve de manter sua fé nos séculos II e III, frente ao
confronto com os gnósticos, os Pais da Igreja desenvolveram o princípio
da Tradição como regra de fé.
“Todo aquele que queira ver a verdade pode encontrar em cada Igreja a
Tradição que os Apóstolos pregara no mundo inteiro.” (Santo Irineu de
Lião)
“Toda doutrina que está em conformidade com aquelas Igrejas
Apostólicas, deve ser considerada como verdade, pois indubitavelmente o
que as Igrejas receberam dos Apóstolos, isto foi recebido de Cristo e
Cristo de Deus.” (Tertuliano)
Quando no século XVI Lutero evocou o princípio de “Sola Scriptura”
o Concílio de Trento manteve a referência à Igreja dos tempos
apostólicos e ensinou que era preciso render idêntico respeito à
Escritura e à Tradição, como fonte única da verdade evangélica. Em
questões de fé e de moral não se pode interpretar a Escritura “contra o
sentido que a santa Mãe Igreja sustentou e sustém.”
No século XIX e XX a noção de Tradição foi novamente estudada com
grande profundidade. Os principais autores dessa época, sobre esse tema,
são: Möhler (1796-1838), Newman (1801-1900) e Blondel (1861-1949). Eles
desenvolvem a idéia da “Tradição viva”, que se desenvolve na Igreja.
4. Tradição e Regra de Fé:
A relação entre a Tradição e a regra de fé está exposta de maneira sintética e suficientemente clara na Constituição Dei Verbum, 8.
“E assim, a pregação apostólica, que se exprime de modo especial nos
livros inspirados, devia conservar-se, por uma sucessão contínua, até à
consumação dos tempos. Por isso, os Apóstolos, transmitindo o que eles
mesmos receberam, advertem os fiéis a que observem as tradições que
tinham aprendido quer por palavras quer por escrito (cfr. 2 Tess. 2,15),
e a que lutem pela fé recebida dama vez para sempre (cfr. Jud. 3). Ora,
o que foi transmitido pelos Apóstolos, abrange tudo quanto contribui
para a vida santa do Povo de Deus e para o aumento da sua fé; e assim a
Igreja, na sua doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as
gerações tudo aquilo que ela é e tudo quanto acredita.
Esta tradição apostólica progride na Igreja sob a assistência do
Espírito Santo. Com efeito, progride a percepção tanto das coisas como
das palavras transmitidas, quer mercê da contemplação e estudo dos
crentes, que as meditam no seu coração (cfr. Lc. 2, 19. 51), quer mercê
da íntima inteligência que experimentam das coisas espirituais, quer
mercê da pregação daqueles que, com a sucessão do episcopado, receberam o
carisma da verdade. Isto é, a Igreja, no decurso dos séculos, tende
contìnuamente para a plenitude da verdade divina, até que nela se
realizem as palavras de Deus.
Afirmações dos santos Padres testemunham a presença vivificadora
desta Tradição, cujas riquezas entram na prática e na vida da Igreja
crente e orante. Mediante a mesma Tradição, conhece a Igreja o cânon
inteiro dos livros sagrados, e a própria Sagrada Escritura entende-se
nela mais profundamente e torna-se incessantemente operante; e assim,
Deus, que outrora falou, dialoga sem interrupção com a esposa do seu
amado Filho; e o Espírito Santo – por quem ressoa a voz do Evangelho na
Igreja e, pela Igreja, no mundo – introduz os crentes na verdade plena e
faz com que a palavra de Cristo neles habite em toda a sua riqueza
(cfr. Col. 3,16)”.
5. Tradição e Escritura:
“A sagrada Tradição, portanto, e a Sagrada Escritura estão
intimamente unidas e compenetradas entre si. Com efeito, derivando ambas
da mesma fonte divina, fazem como que uma coisa só e tendem ao mesmo
fim. A Sagrada Escritura é a palavra de Deus enquanto foi escrita por
inspiração do Espírito Santo; a sagrada Tradição, por sua vez, transmite
integralmente aos sucessores dos Apóstolos a palavra de Deus confiada
por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos Apóstolos, para que eles,
com a luz do Espírito de verdade, a conservem, a exponham e a difundam
fielmente na sua pregação; donde resulta assim que a Igreja não tira só
da Sagrada Escritura a sua certeza a respeito de todas as coisas
reveladas. Por isso, ambas devem ser recebidas e veneradas com igual
espírito de piedade e reverência.” (Dei Verbum 8)
6. As principais testemunhas da Tradição, os Padres da Igreja:
Os Padres da Igreja são os escritores eclesiásticos antigos
caracterizados por sua santidade de vida, por seu profundo conhecimento
das Escrituras e da doutrina da fé e pela responsabilidade que exerceram
na Igreja Antiga, pois eram grandes pastores. São considerados como as
testemunhas privilegiadas da Tradição, pois nos unem os ensinamentos
recebidos dos Apóstolos e a Igreja de todos os tempos.
A Igreja ensinou que o consenso patrístico unânime constitui regra
certa para interpretar a Sagrada Escritura (Conc. de Trento, D 786,
Vaticano I, D 17888).
7. O sentido cristão da fé (sensus fidelium):
“O Povo santo de Deus participa também da função profética de Cristo,
difundindo o seu testemunho vivo, sobretudo pela vida de fé e de
caridade oferecendo a Deus o sacrifício de louvor, fruto dos lábios que
confessam o Seu nome (cfr. Hebr. 13,15). A totalidade dos fiéis que
receberam a unção do Santo (cfr. Jo. 2, 20 e 27), não pode enganar-se na
fé; e esta sua propriedade peculiar manifesta-se por meio do sentir
sobrenatural da fé do povo todo, quando este, «desde os Bispos até ao
último dos leigos fiéis», manifesta consenso universal em matéria de fé e
costumes. Com este sentido da fé, que se desperta e sustenta pela ação
do Espírito de verdade, o Povo de Deus, sob a direção do sagrado
magistério que fielmente acata, já não recebe simples palavra de homens
mas a verdadeira palavra de Deus (cfr. 1 Tess. 2,13), adere
indefectivelmente à fé uma vez confiada aos santos (cfr. Jud. 3),
penetra-a mais profundamente com juízo acertado e aplica-a mais
totalmente na vida.” (LG 12)
8. Os teólogos da Igreja e o consenso teológico:
A Teologia é «a fé à procura de explicações» e «explicações à procura
de razões de fé». Magistério e Teologia têm a finalidade de conservar e
atualizar a revelação. Ambos brotam da revelação. Contudo têm também
funções diversas:
A Teologia: tem a função de conhecer e penetrar o sentido da
revelação, o sentir da comunidade e tirar conclusões para dar ao
magistério. A teologia deverá ter uma profunda ligação com a comunidade,
ela é uma ciência comunitária por excelência.
Magistério: tem a função de receber o que a teologia lhe dá e, com a
ajuda do Espírito Santo, aprofundar esses dados, sistematizá-los e
depois propô-las como verdades de fé. Depois irá servir-se da Teologia
para transmitir isto ao povo.
9. Relação da Escritura e da Tradição da Igreja com o Magistério eclesiástico:
“A sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só depósito
sagrado da palavra de Deus, confiado à Igreja; aderindo a este, todo o
Povo santo persevera unido aos seus pastores na doutrina dos Apóstolos e
na comunhão, na fração do pão e na oração (cfr. Act. 2,42 gr.), de tal
modo que, na conservação, atuação e profissão da fé transmitida, haja
uma especial concordância dos pastores e dos fiéis.
Porém, o encargo de interpretar autenticamente a palavra de Deus
escrita ou contida na Tradição, foi confiado só ao magistério vivo da
Igreja, cuja autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo. Este
magistério não está acima da palavra de Deus, mas sim ao seu serviço,
ensinando apenas o que foi transmitido, enquanto, por mandato divino e
com a assistência do Espírito Santo, a ouve piamente, a guarda
religiosamente e a expõe fielmente, haurindo deste depósito único da fé
tudo quanto propõe à fé como divinamente revelado.
É claro, portanto, que a sagrada Tradição, a sagrada Escritura e o
magistério da Igreja, segundo o sapientíssimo desígnio de Deus, de tal
maneira se unem e se associam que um sem os outros não se mantém, e
todos juntos, cada um a seu modo, sob a ação do mesmo Espírito Santo,
contribuem eficazmente para a salvação das almas.” (D.V. 10)
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