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Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja

e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.

EVANGELHO – Mateus 16,13-19.


AMBIENTE

O Evangelho deste domingo situa-nos no Norte da Galileia, perto das nascentes do rio Jordão, em Cesareia de Filipe (na zona da atual Bânias). A cidade tinha sido construída por Herodes Filipe (filho de Herodes o Grande) no ano 2 ou 3 a.C., em honra do imperador Augusto.

O episódio que nos é proposto ocupa um lugar central no Evangelho de Mateus. Aparece num momento de viragem, quando começa a perfilar-se no horizonte de Jesus um destino de cruz. Depois do êxito inicial do seu ministério, Jesus experimenta a oposição dos líderes e um certo desinteresse por parte do Povo. A sua proposta do Reino não é acolhida, senão por um pequeno grupo – o grupo dos discípulos.

É, então, que Jesus dirige aos discípulos, uma série de perguntas, sobre si próprio. Não se trata, tanto, de medir a sua quota de popularidade; trata-se, sobretudo, de tornar as coisas mais claras para os discípulos e confirmá-los na sua opção de seguir Jesus e de apostar no Reino.

O relato de Mateus é um pouco diferente do relato do mesmo episódio feito por outros evangelistas (nomeadamente Marcos - cf. Mc 8,27-30). Mateus remodelou e ampliou o texto de Marcos, acrescentando a afirmação de que Jesus é o Filho de Deus, e, a missão confiada a Pedro

MENSAGEM

O nosso texto pode dividir-se em duas partes. A primeira, de caráter mais cristológico, centra-se em Jesus e na definição da sua identidade. A segunda, de caráter mais eclesiológico, centra-se na Igreja, que Jesus convoca à volta de Pedro.

Na primeira parte (vers. 13-16), Jesus interroga duplamente os discípulos: acerca do que as pessoas dizem d’Ele e acerca do que os próprios discípulos pensam.

A opinião dos “homens” vê Jesus em continuidade com o passado (“João Baptista”, “Elias”, “Jeremias” ou “algum dos profetas”). Não captam a condição única de Jesus, a sua novidade, a sua originalidade. Reconhecem, apenas, que Jesus é um homem convocado por Deus e enviado ao mundo com uma missão – como os profetas do Antigo Testamento… Mas não vão, além disso. Na perspectiva dos “homens”, Jesus é, apenas, um homem bom, justo, generoso, que escutou os apelos de Deus e que Se esforçou por ser um sinal vivo de Deus, como tantos outros homens antes d’Ele (vers. 13-14). É muito, mas não é o suficiente: significa que os “homens” não entenderam a novidade do Messias, nem a profundidade do mistério de Jesus.

A opinião dos discípulos acerca de Jesus vai muito além da opinião comum. Pedro, porta-voz da comunidade dos discípulos, resume o sentir da comunidade do Reino na expressão: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo” (vers. 16). Nestes dois títulos resume-se a fé da Igreja de Mateus e a catequese aí feita sobre Jesus. Dizer que Jesus é “o Cristo” (Messias) significa dizer que Ele é esse libertador que Israel esperava, enviado por Deus para libertar o seu Povo e para lhe oferecer a salvação definitiva. No entanto, para os membros da comunidade do Reino, Jesus não é, apenas, o Messias: é, também, o “Filho de Deus”. No Antigo Testamento, a expressão “Filho de Deus” é aplicada aos anjos (cf. Dt 32,8; Sal 29,1; 89,7; Job 1,6), ao Povo eleito (cf. Ex 4,22; Os 11,1; Jer 3,19), aos vários membros do Povo de Deus (cf. Dt 14,1-2; Is 1,2; 30,1.9; Jer 3,14) ao rei (cf. 2 Sm 7,14) e ao Messias/rei da linhagem de David (cf. Sal 2,7; 89,27). Designa a condição de alguém que tem uma relação particular com Deus, a quem Deus elegeu e a quem Deus confiou uma missão. Definir Jesus como o “Filho de Deus” significa, não só que Ele recebe vida de Deus, mas que vive em total comunhão com Deus, que desenvolve com Deus uma relação de profunda intimidade e que Deus Lhe confiou uma missão única para a salvação dos homens; significa reconhecer a profunda unidade e intimidade entre Jesus e o Pai e que Jesus conhece e realiza os projetos do Pai no meio dos homens. Os discípulos são convidados a entender dessa forma o mistério de Jesus.

Na segunda parte (vers. 17-19), temos a resposta de Jesus à confissão de fé da comunidade dos discípulos, apresentada pela voz de Pedro. Jesus começa por felicitar Pedro (isto é, a comunidade) pela clareza da fé que o anima. No entanto, essa fé não é mérito de Pedro, mas um dom de Deus (“não foram a carne e o sangue que to revelaram, mas sim o meu Pai que está nos céus” – vers. 17). Pedro (os discípulos) pertence a essa categoria dos “pobres”, dos “simples”, abertos à novidade de Deus, que têm um coração disponível para acolher os dons e as propostas de Deus (esses “pobres” e “simples” estão em contraposição com os líderes – fariseus, doutores da Lei, escribas – instalados nas suas certezas, seguranças e preconceitos, incapazes de abrir o coração aos desafios de Deus).

O que é que significa Jesus dizer a Pedro que ele é “a rocha” (o nome “Pedro” é a tradução grega do hebraico “Kephâ” – “rocha”) sobre a qual a Igreja de Jesus vai ser construída? As palavras de Jesus têm de ser vistas no contexto da confissão de fé precedente. Mateus está, portanto, a afirmar que a base firme e inamovível, sobre a qual vai assentar a Ekklesia de Jesus é a fé que Pedro e a comunidade dos discípulos professam: a fé em Jesus como o Messias, Filho de Deus vivo.

Para que seja possível a Pedro testemunhar que Jesus é o Messias Filho de Deus e edificar a comunidade do Reino, Jesus promete-lhe “as chaves do Reino dos céus” e o poder de “ligar e desligar”. Aquele que detém as chaves, no mundo bíblico, é o “administrador do palácio”… Ora o “administrador do palácio”, entre outras coisas, administrava os bens do soberano, fixava o horário da abertura e do fechamento das portas do palácio e definia quais os visitantes a introduzir junto do soberano… Por outro lado, a expressão “atar e desatar” designava, entre os judeus da época, o poder para interpretar a Lei com autoridade, para declarar o que era ou não permitido, para excluir ou reintroduzir alguém na comunidade do Povo de Deus. Assim, Jesus nomeia Pedro para “administrador” e supervisor da Igreja, com autoridade para interpretar as palavras de Jesus, para adaptar os ensinamentos de Jesus a novas necessidades e situações, e para acolher ou não novos membros na comunidade dos discípulos do Reino (atenção: todos são chamados por Deus a integrar a comunidade do Reino; mas aqueles que não estão dispostos a aderir às propostas de Jesus não podem aí ser admitidos).

Trata-se, aqui, de confiar a um homem (Pedro) um primado, um papel de liderança absoluta (o poder das chaves, o poder de ligar e desligar) da comunidade dos discípulos? Ou Pedro é, aqui, um discípulo que dá voz a todos aqueles que acreditam em Jesus e que representa a comunidade dos discípulos? É difícil, a partir deste texto, fazer afirmações concludentes e definitivas. O poder de “ligar e desligar”, por exemplo, aparece noutro contexto, confiado à totalidade da comunidade e não a Pedro em exclusivo (cf. Mt 18,18). Provavelmente, o mais correto é ver em Pedro o protótipo do discípulo; nele, está representada essa comunidade que se reúne em volta de Jesus e que proclama a sua fé em Jesus como o “Messias” e o “Filho de Deus”. É a essa comunidade, representada por Pedro, que Jesus confia as chaves do Reino e o poder de acolher ou excluir. Isso não invalida que Pedro fosse uma figura de referência para os primeiros cristãos e que desempenhasse um papel de primeiro plano na animação da Igreja nascente, sobretudo nas comunidades da Síria (as comunidades a que o Evangelho de Mateus se destina).

• Quem é Jesus? O que é que “os homens” dizem de Jesus? Muitos dos nossos conterrâneos vêem em Jesus um homem bom, generoso, atento aos sofrimentos dos outros, que sonhou com um mundo diferente; outros vêem em Jesus um admirável “mestre” de moral, que tinha uma proposta de vida “interessante”, mas que não conseguiu impor os seus valores; alguns vêem em Jesus um admirável condutor de massas, que acendeu a esperança nos corações das multidões carentes e órfãs, mas que passou de moda quando as multidões deixaram de se interessar pelo fenômeno; outros, ainda, vêem em Jesus um revolucionário, ingênuo e inconseqüente, preocupado em construir uma sociedade mais justa e mais livre, que procurou promover os pobres e os marginais e que foi eliminado pelos poderosos, preocupados em manter o “status quo”. Estas visões apresentam Jesus como “um homem” – embora “um homem” excepcional, que marcou a história e deixou uma recordação incontestável. Jesus foi, apenas, um “homem” que deixou a sua pegada na história, como tantos outros que a história absorveu e digeriu?

• Para os discípulos, Jesus foi bem mais do que “um homem”. Ele foi e é “o Messias, o Filho de Deus vivo”. Defini-lo dessa forma significa reconhecer em Jesus o Deus que o Pai enviou ao mundo com uma proposta de salvação e de vida plena, destinada a todos os homens. A proposta que Ele apresentou não é, apenas, uma proposta de “um homem” bom, generoso, clarividente, que podemos admirar de longe e aceitar ou não; mas é uma proposta de Deus, destinada a tornar cada homem ou cada mulher uma pessoa nova, capaz de caminhar ao encontro de Deus e de chegar à vida plena da felicidade sem fim. A diferença entre o “homem bom” e o “Messias, Filho de Deus”, é a diferença entre alguém a quem admiramos e que é igual a nós, e alguém que nos transforma, que nos renova e que nos encaminha para a vida eterna e verdadeira.

• “E vós, quem dizeis que Eu sou?” É uma pergunta que deve, de forma constante, ecoar nos nossos ouvidos e no nosso coração. Responder a esta questão não significa papaguear lições de catequese ou tratados de teologia, mas sim interrogar o nosso coração e tentar perceber qual é o lugar que Cristo ocupa na nossa existência… Responder a esta questão obriga-nos a pensar no significado que Cristo tem na nossa vida, na atenção que damos às suas propostas, na importância que os seus valores assumem nas nossas opções, no esforço que fazemos ou que não fazemos para O seguir… Quem é Cristo para mim?

• É sobre a fé dos discípulos (isto é, sobre a sua adesão ao Cristo libertador e salvador, que veio do Pai ao encontro dos homens com uma proposta de vida eterna e verdadeira) que se constrói a Igreja de Jesus. O que é a Igreja? O nosso texto responde de forma clara: é a comunidade dos discípulos que reconhecem Jesus como “o Messias, o Filho de Deus”. Que lugar ocupa Jesus na nossa experiência de caminhada em Igreja? Porque é que estamos na Igreja: é por causa de Jesus Cristo, ou é por outras causas (tradição, inércia, promoção pessoal…)?

• A Igreja de Jesus não existe, no entanto, para ficar a olhar para o céu, numa contemplação estéril e inconseqüente do “Messias, Filho de Deus”; mas existe para o testemunhar e para levar a cada homem e a cada mulher a proposta de salvação que Cristo veio oferecer. Temos consciência desta dimensão “profética” e missionária da Igreja? Os homens e as mulheres com quem contatamos no dia a dia – em casa, no emprego, na escola, na rua, no prédio, nos acontecimentos sociais – recebem de nós este anúncio e este convite a integrar a comunidade da salvação?

A comunidade dos discípulos é uma comunidade organizada e estruturada, onde existem pessoas que presidem e que desempenham o serviço da autoridade. Essa autoridade não é, no entanto, absoluta; mas é uma autoridade que deve, constantemente, ser amor e serviço. Sobretudo, é uma autoridade que deve procurar discernir, em cada momento, as propostas de Cristo e a interpelação que Ele lança aos discípulos e a todos.

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